É extensa a tradição que une Arte e Religião em nossa cultura. Sua origem é gradual, das manifestações com finalidade sagrada, na Idade Antiga, à instauração da religião cristã no século V. O período de maior teor religioso foi o Medieval, quando as manifestações artísticas tinham uma finalidade eminentemente catequizadora. No final da Idade Média (Gótico) a função pragmática da arte começou a ser revista e a arte produzida acabou potencializando ainda mais o elemento místico, aquele que não é necessariamente dogmático, mas potencialmente espiritual, trazendo-o para as imagens artísticas. Uma das principais formas de expressão artística religiosa dessa época foram os vitrais (ver iluminação). O Vitral por si só potencializava a espiritualidade da arte gótica; não apenas por representar temas religiosos, mas pelo modo como regula a luz natural externa que penetra no ambiente sacro das catedrais, transformando-a em fachos de cor-luz oblíquos que projetam imagens no ambiente interno. Na Mansão de Quelícera, além deste ambiente, alguns corredores secretos e o Salão de Baile são iluminados por de vitrais.

Nem toda a arte que tratou de temas cristãos esteve centrada na revelação de verdades dogmáticas e místicas, como a medieval. No início da Idade Moderna, por exemplo, os artistas continuaram dando preferência à temática religiosa, embora a abordassem em meio a motivos seculares (ver Quarto), destacando o caráter humano dos personagens e o naturalismo das cenas. Isso fica especialmente visível nas pinturas feitas na Europa Setentrional, como em A Anunciação, de Weyden.
Pouco tempo depois, mas em um contexto bem diferente, Tintoretto também pintou a Anunciação agregando maior expressividade à Virgem. Em Tintoretto encontramos uma reação à arte eclesiástica do final do Renascimento italiano (Renascimento Pleno, que havia dado mais importância à glória da Igreja do que aos valores espirituais de sua religião). Até mesmo Michelangelo, no final de sua vida (ver a obra Juízo Final), reagiu à postura ostensiva da Igreja Católica e criou uma arte de forte carga espiritual, dramática e expressionista, que depois influenciou nomes como El Greco (ver O Espólito) e Tintoretto. Comaparndo as duas obras que ratratam a Anunciação, percebemos a diferença gritante entre o processo criativo de Tintoretto, respaldado por seu contexto maneirista italiano, e o de Weyden, em sua alemanha que gradativamente adentrava a época Moderna (Gótico Tardio).

A postura expressiva desses artistas foi contemporânea às acusações de Lutero aos abusos da Igreja romana (a avareza do clero, os impostos abusivos que sustentavam as pompas do Vaticano, o comércio de indulgências e o comércio de cargos eclesiásticos) por toda a Europa cristã. Foi o desmoronamento da fé incondicional, que perdurou por toda a Idade Média com a penetração das idéias da Reforma Protestante. Para Lutero, o ponto central da fé era o individuo e não a Igreja. A Reforma também foi contra as imagens religiosas (iconoclastia) até pelo fato da arte italiana da época estar muito relacionada aos hábitos ostentadores do Vaticano. Os protestantes não aceitaram de forma alguma a idolatria de imagens e, por isso, retiraram de suas igrejas desde obras de arte até adornos. A reação da igreja romana foi implacável (Contra-Reforma): em 1542 foi instaurado o Tribunal da Inquisição; em 1543 foi divulgada uma enorme lista de obras impressas censuradas aos católicos; e a partir de 1545 ocorreu o Concílio de Trento. Mas apesar de todas as restrições que o Concílio trazia, ele não se opunha aos artistas; pelo contrário, havia um interesse de contrapor qualquer ação dos reformistas e a arte religiosa passou a ser exaltada como uma arma poderosa contra as doutrinas heterodoxas. A arte, que já na Renascença havia adquirido uma singular qualidade técnica e expressiva, tornava-se um instrumento de grande valia como meio de consolidar e propagar a fé cristã. Neste contexto, a arte Barroca se destacou por conter um apelo muito mais popular e emotivo do que o Maneirismo, que se encontrava mais circunscrito a uma elite intelectual. Mesmo no contexto protestante a arte de temática religiosa continuou presente - não mais como imagem de culto, mas como representação dos mistérios da fé -, como nos mostra Rembrandt em A Ressurreição de Jesus.

A arte religiosa de forte carga dramática estendeu-se por todo o século XVII e boa parte do século XVIII. Gradualmente, a cultura secular foi se consolidando, juntamente com os interesses voltados para o cotidiano das cidades, e a dita "arte burguesa" ganhou mais espaço sobre a arte clerical (como vemos com o crescimento de generos como o do
retratos e o da pintura de gênero), principalmente na região setentrional da Europa, relativizando a supremacia da Igreja e do Estado no consumo de arte (ver Salão de Baile).

No início do século XIX, após a Revolução Francesa e respaldada pelos ideias do Romantismo, contexto em que a atividade artística pouco dependia do Estado e da Igreja, a arte readquiriu um valor místico e religioso: não estava vinculada a uma Igreja, nem mesmo a uma Religião, mas apresentava um discurso profético e os artistas, simbolicamente, posicionavam-se como profetas. O Romantismo retoma aquela espiritualidade que esteve presente no Gótico, como forma de negação das conseqüências negativas e imprevistas da Revolução Industrial, assim como das mudanças preconizadas pelo Iluminismo, a supervalorização das idéias e o modo de vida da sociedade moderna. O artista romântico entendia a obra de arte como janela para o invisível e queria reencontrar, através da experiência estética, o sagrado e o absoluto. Um dos principais meios de alcançar este sagrado foi através da representação das paisagens em sua exuberância e grandiosidade, como símbolos da inexistência de fronteiras entre o natural e o sobrenatural, sendo o artista alemão Friedrich um dos melhores exemplos dessa visão.



Atualizado em 17/01/2006.

Apresentação do Site do Educador

 


Weyden.
A Anunciação.


Tintoretto

A Anunciação.


El Greco
O Espólio


Michelangelo
Juízo Final


Rembrandt.
A Ressurreição de Jesus