Durante o século XVI a Igreja tomou consciência de que a frieza racional da arte renascentista não atingia a população não letrada e mais numerosa. Relacionou a isso o problema da diminuição do número de fiéis, decorrente também da Reforma Protestante. A saída encontrada foi estimular uma arte de tendência emotiva, comovente, arrebatadora: o Barroco.

Naquele contexto, o lugar central que o homem ocupava na cultura (teoria antropocêntrica) foi revisto, e a concepção de que a Terra era o centro do universo foi contestada. As idéias heliocêntricas (sol como centro do universo) de Copérnico, reafirmadas pelos estudos de Galileu Galilei com seu novo invento, o telescópio, contribuíram para a queda daquelas antigas verdades. A partir desse período, considerou-se que Deus atuava no universo como um todo e que o homem era um elemento diminuto desse.

A arte do século XVII expressou as inquietudes geradas com tais descobertas em suas formas. O equilíbrio clássico renascentista da vertical e da horizontal foi substituído pela arrebatadora força da diagonal, dando dinamismo às composições, como vemos em A ressurreição, de Rembrandt. O tratamento pormenor, individual, dos elementos representados, foi substituído pela busca da unidade do todo, de uma visão mais homogênea ao conjunto da composição. A profundidade espacial foi explorada, mesmo em cenas representadas em ambientes internos, pequenos e escuros. Buscou-se efeitos que fizeram os elementos colocados em primeiro plano darem a impressão de que invadiam o espaço do espectador, como se pode ver no manto vermelho de José acusado pela mulher de Potifar, pintado por Rembrandt, e em Cristo na casa de Marta e Maria, de Velázquez. Segundo Hauser, a súbita diminuição das proporções e da claridade das figuras colocadas no último plano das composições do barroco conduz o olhar do observador ao primeiro plano, provocando a consciência da existência do incompreensível, do infinito, do inesgotável. As próprias figuras, representadas sob uma luz de foco restrito, criando algumas zonas claras e outras de extra sombrar, mostram a passagem da claridade para a obscurantismo (é o que Wölfflin chamou de "formas atectônicas" ou abertas, cujas bordas mesclam-se ao espaço em algumas zonas da composição, em contraste com as "formas tectônicas" e fechadas, de desenho bem delineado, que predominaram nas pinturas renascentistas). O rigor das formas renascentistas foi substituído por mais liberdade, o que dá ao espectador a percepção da incompletude do indivíduo e da instabilidade humana, como vemos em um Auto-retrato de Rembrandt. Ainda, há uma idéia de improviso na imagem dramática barroca, como se o olho do artista tivesse flagrado casualmente um acontecimento, o que fica explícito no barroco naturalista holandês de Vermeer.

O aspecto envolvente das composições, assim como o olhar atento do artista sobre os aspectos característicos do sujeito representado, marcam as obras desse período. Os retratos feitos por Velázquez, por exemplo, expressam bem o olhar humano e sensível do artista. Seus personagens são mostrados em sua complexidade e incomensurabilidade, seus olhares e ações traduzem mistério, nos falam das incertezas do mundo e da vida. Não é por acaso que boa parte das obras apropriadas em A Mansão de Quelícera seja desse período. As situações vivenciadas na experiência estética com as pinturas barrocas são coerentes com o conteúdo do jogo, tanto com os mistérios da trama, quanto com o misto de medo e atração que eles despertam (ver Masmorra).

Mesmo assim, as obras que foram por nós "apropriadas" receberam um tratamento digital intenso. As imagens precisaram ser adaptadas às necessidades narrativas do jogo e tiveram o seu aspecto misterioso intensificado. Algumas obras foram base para cenários inteiros, entre elas, a despensa se destaca por ter sido o ambiente que mais se transformou no processo do tratamento digital. Partimos da pintura São Jerônimo em seu estúdio, do italiano Antonelo de Messina, uma imagem com fortes características renascentistas, além de ter influências do Gótico Tardio, e a retrabalhamos digitalmente até o ponto de criar uma imagem com características marcantes do barroco naturalista holandês. O ambiente criado é pequeno, obscuro, com uma luz amena e focalizada, e o detalhamento dos objetos mostra que é um ambiente característico do cotidiano doméstico. A obra de Messina retratava um estudioso em meio aos seus livros, num gabinete montado dentro de uma monumental arquitetura classicista. Agora temos uma despensa, povoada por frascos de temperos, sacos de grãos, moscas, ratos, aranhas e até por uma travessa com um frango assado pronto para ser comido que é, na verdade, mais um dos retratos grotescos de Arcimboldo. O boi morto, pendurado no lado esquerdo do ambiente, provém de uma outra obra do barroco holandês: Boi abatido, de Rembrandt. Aqui o boi desossado é fundamental para criar o clima arrepiante necessário à despensa da amedrontadora Quelícera.



Atualizado em 16/01/2006.

Apresentação do Site do Educador



Rembrandt
A Ressurreição de Jesus



Rembrandt
José acusado pela mulher de Potifar



Velázquez
Cristo na casa de Marta e Maria




Rembrandt.
Auto-Retrato



Messina
São Jerônimo em seu estúdio



Rembrandt.
O Boi Abatido