De 
                Luther Blissett à Wu Ming:  
                uma entrevista com Roberto Bui 
              por 
                Fábio Salvatti e Antonio Vargas 
                
               
                Roberto Bui é um dos fundadores do 
                Projeto Luther Blisset. E é preciso apresenta-lo como um 
                dos fundadores e não como um dos criadores justamente porque, 
                conceitos como autoria e criação solapam a simples 
                menção do nome Luther Blisset.  
                 
                Criado na Itália, em meados da década de 90 por 
                um grupo de inquietos estudantes, o Projeto Luther Blissett caracterizou-se 
                por uma série de ações envolvendo a mídia 
                internacional. Herdeiro, tanto de uma tradição ancestral 
                relacionada a capacidade de contar contos como de outra, bastante 
                bem localizada nas práticas artísticas dos anos 
                60, as ações eram praticadas de forma coletiva e 
                anônima e quando identificadas, assumidas por Luther Blissett. 
                 
                 
                Particularmente interessante é o fato que neste Projeto 
                a tradição oral, responsável pela criação 
                e transmissão dos mais maravilhosos mitos da cultura, é 
                potencializada e re-instaurada na cultura ocidental de final de 
                Século XX graças especialmente ao uso da web imprimindo 
                às suas ações (aparentemente apenas traquinas) 
                uma dimensão artística graças as perguntas 
                que suas conseqüências levantam.  
                 
                Mas o Projeto Luther Blissett é passado para Roberto Bui. 
                Agora ele é Wu-Ming (anônimo em chinês) . A 
                seguir apresentamos uma entrevista realizada em novembro de 2002 
                em Florianópolis -SC. 
                
              ___________________________________________________________ 
                  
               
             
             
               
                  
                 
                  Você 
                  foi um membro do Projeto Luther Blissett e agora é membro 
                  da Fundação Wu Ming. Quais são as diferenças 
                  entre eles e porque houve uma "morte" do Projeto Luther 
                  Blisset e um "nascimento" da Fundação 
                  Wu Ming? 
               
             
             
               
                 
                Wu Ming 1: 
                Luther Blissett era uma network ( nota 
                1 ) indiscriminadamente aberta. Qualquer um poderia usar o 
                nome e adicionar elementos para a reputação desse 
                herói imaginário que era Luther Blissett, uma espécie 
                de "bandido" da era da informação ou "Robin 
                Hood" da internet.  
                 
                Qualquer ação que se fizesse com o nome de Luther 
                Blissett era automaticamente atribuída a ele como se fosse 
                uma pessoa real. Cada ação, cada escrito, cada performance 
                adicionava elementos e desenvolvia a reputação de 
                Luther Blissett. Era uma incrível comunidade aberta. Na 
                Itália, cerca de 400 pessoas usavam o nome, a maioria delas 
                eu nem conheço pessoalmente, só mantemos contato 
                via e-mail. Havia grupos em cada cidade. Em Bolonha havia um dos 
                maiores grupos, com cerca de cinqüenta pessoas. Basicamente, 
                quase todo mundo poderia adotar o nome. Não havia um comitê 
                central para filtrar a participação. Não 
                havia regras escritas sobre como usar o nome. Só havia 
                uma espécie de "autodefesa automática" 
                da network. Por exemplo, fascistas ou nazistas não 
                poderiam usar o nome para propósitos racistas, porque a 
                network tinha um estilo, ainda que não fosse um 
                estilo homogêneo. E, é claro, ser racista não 
                fazia parte do estilo.  
                 
                Desde o começo, em 1994, nós decidimos que Luther 
                Blissett seria um plano qüinqüenal, de 1994 a 1999. 
                Não exatamente Luther Blissett, mas o Projeto Luther Blissett. 
                São duas coisas diferentes. O Projeto Luther Blissett era 
                a network original, a network das pessoas que começaram 
                a usar o nome no meio dos 90. Enquanto, por exemplo, as pessoas 
                que usam o nome Luther Blissett agora não são parte 
                do Projeto Luther Blisset, elas simplesmente são Luther 
                Blissett. O Projeto Luther Blissett era uma das possíveis 
                organizações de Luther Blissett. De qualquer maneira, 
                o Projeto Luther Blissett estava planejado para terminar em 1999. 
                Era uma paródia, uma caricatura da economia soviética, 
                com os planos de cinco anos. E também porque cinco anos 
                era tempo suficiente para se conseguir resultados, conquistas 
                concretas, e não era tempo demais.  
                 
                Em 1999 publicamos Q, que foi nossa última contribuição 
                para Luther Blissett. O livro foi escrito por quatro membros do 
                grupo de Bolonha do Projeto Luther Blissett. Teve um incrível 
                sucesso. Vendeu 200 mil cópias na Itália e foi traduzido 
                por todo o mundo. Os leitores na Itália ficaram surpresos 
                porque Luther Blissett era famoso como uma coisa underground, 
                como uma coisa à margem, radical, vanguarda, coisas assim. 
                E Q teve um sucesso comercial mesmo no mainstream, mesmo 
                que o conteúdo do romance fosse bem radical. Esta foi a 
                última prova de que o Projeto Luther Blissett tinha que 
                acabar, porque os quatro autores de Q estavam ficando famosos 
                demais e todas as outras pessoas que estavam usando o nome de 
                Luther Blissett estavam ameaçadas de serem imediatamente 
                associadas com os autores de Q. Nós ficamos "pesados" 
                demais. Então nós pensamos que fizemos a coisa certa 
                quando pensamos em terminar o Projeto em 1999.  
                 
                Então, em janeiro de 2000 nós começamos um 
                novo projeto (os quatro autores de Q e outro autor chamado Ricardo, 
                que escreveu romances de ficção científica 
                na Itália, muito radicais pelo estilo e conteúdo) 
                chamado Wu Ming. A diferença entre o Projeto Luther Blissett 
                e Wu Ming é que Wu Ming é um grupo, não é 
                indiscriminadamente aberto, porque escrever ficção 
                é uma tarefa difícil. Vai haver uma história, 
                com um começo, um fim e uma trama no meio. Então 
                vai ser preciso trabalhar duro para escrevê-la. Não 
                é fácil fazer isso. Somos um grupo de cinco pessoas, 
                mas há toda uma comunidade ao nosso redor, nós cooperamos 
                e colaboramos com um monte de gente. Nós temos um fanzine 
                eletrônico chamado Giap, com mais de 3000 assinantes, 
                que nos dão feedback e colaboram conosco. Wu Ming 
                é um grupo, não é uma network, como 
                o Projeto Luther Blissett. Essa é a principal diferença. 
                Mas há coisas em comum: a recusa à propriedade intelectual, 
                por exemplo, o fato de que não deixamos que nos fotografem 
                ou nos filmem, nós não aparecemos na mídia. 
                Nós aparecemos em público porque o nosso slogan 
                (vocês o acharão no nosso website, na primeira 
                página) é "transparente para os leitores, opaco 
                para as mídias", o que significa que aparecemos em 
                público, não somos elitistas, aristocráticos. 
                Nos últimos três anos, nós fizemos 150 palestras 
                em público, sem fotógrafos ou cinegrafistas. E a 
                outra coisa é o nome. Wu Ming em chinês significa 
                "anônimo". Então é uma referência 
                ao projeto anterior. Há coisas que sobrevivem do projeto 
                anterior, mas num outro contexto.  
                
             
             
               
                 
                  Quais foram os principais atos do Projeto 
                  Luther Blissett e da Wu Ming? 
               
             
             
               
                 
                Wu Ming 1: Os 
                principais atos de Luther Blissett foram o que chamamos de "trotes 
                de mídia" ( nota 2 ), guerrilha 
                de comunicação, coisas assim. Nós começávamos 
                "plantando" falsas notícias na mídia, 
                com jornalistas acreditando que eram verdadeiras, e as publicando, 
                e depois nós assumíamos a responsabilidade por elas. 
                Algumas das ações tiveram um impacto considerável 
                na Itália, e tivemos resultados concretos.  
                 
                Por exemplo, nós usamos este tipo de estratégia 
                numa campanha de solidariedade contra a prisão de um grupo 
                de garotos que gostavam de Heavy Metal. Em Bolonha, houve uma 
                perseguição a esse grupo que foi acusado de organizar 
                rituais de magia negra, durante os quais algumas garotas e crianças 
                teriam sido estupradas. Era algo como um ritual satânico 
                com pedofilia. Mas era uma armação completa, não 
                era verdade. Uma associação católica era 
                quem os estava acusando e um juiz aceitou a pressão desse 
                grupo. Os integrantes do grupo foram condenados a um ano e meio 
                de prisão e foram criminalizados pela mídia. Era 
                evidente que eles eram completamente inocentes. Não havia 
                provas, não havia nem vítimas, só rumores, 
                boatos. Então nós começamos uma campanha 
                de solidariedade que não era tradicional, como abaixo-assinados 
                ou artigos na imprensa. Nós começamos a plantar 
                na imprensa notícias falsas, ainda mais sensacionais e 
                absurdas, contra o grupo, que se chamava Bambini di Satana. 
                Era uma associação cultural esotérica de 
                Heavy Metal, uma besteira assim, mas eles eram completamente inocentes. 
                Nós fizemos acusações maiores, incríveis 
                e absurdas. Por exemplo, nós inventamos um grupo de anti-satanistas. 
                Eu roubei um crânio no cemitério, coloquei numa mochila 
                e a deixei num armário da estação de trem 
                de Bolonha. Eu peguei o ticket do armário e enviei para 
                o principal jornal de Bolonha. Escrevi uma carta dizendo que se 
                eles estavam interessados no caso do Bambini di Satana 
                eles achariam coisas interessantes na mochila. O jornalista recebeu 
                muito tempo depois o ticket, então ele teve que pagar o 
                aluguel do armário por um mês, gastou um monte de 
                dinheiro para pegar a mochila, e quando ele abriu, havia um crânio 
                humano. No dia seguinte saiu uma foto do crânio na primeira 
                página do jornal dizendo: "Anti-satanistas anônimos 
                enviaram para o nosso jornal provas de atividades satânicas 
                em Bolonha". No outro dia, em outro jornal, nós revelamos 
                que era tudo falso, que nós tínhamos roubado o crânio. 
                Dissemos que aquilo era uma mentira e que nós a inventamos. 
                Mas nós inventamos uma. Quantas outras foram inventadas 
                pelos jornalistas? Então as pessoas começaram a 
                pensar a respeito. No fim o grupo foi inocentado no julgamento 
                e agora todos sabem que eles eram inocentes.  
              Então 
                nós tivemos resultados concretos nessa estratégia 
                de guerrilha de comunicação. Mas a maioria das ações 
                não era tão canalizada para um propósito 
                específico. A maioria das ações era para 
                espalhar a mitologia da existência de Luther Blissett.  
                 
                Por exemplo, a primeira grande ação que fizemos 
                foi quando inventamos um cara, um artista britânico. Inventamos 
                sua vida, seus amigos, tiramos uma fotografia de uma casa em Londres 
                e dissemos que era seu endereço. E nós ainda moldamos 
                várias faces de fotos do meu tio com trinta anos e fizemos 
                um rosto artificial, que depois virou o rosto de Luther Blissett. 
                Nós enviamos para todas as agências de notícia 
                essa foto e um texto dizendo que éramos amigos desse cara, 
                desse artista, e ele estava em viagem pela Europa numa bicicleta 
                com a intenção de escrever no mapa da Europa a palavra 
                ART, conectando cidades. No final do T, ele estava perdido na 
                Bósnia. Nós escrevemos isso e colocamos nossos telefones, 
                perguntando se alguém tinha visto aquele homem, sua família 
                estava preocupada, e nós também. A última 
                vez que tínhamos ouvido falar dele, ele estava indo para 
                a Bósnia. Seis meses depois não sabíamos 
                o que tinha acontecido com ele. As agências de notícia 
                enviaram a foto para os jornais publicarem na sessão de 
                pessoas desaparecidas. A lenda se espalhou, porque esse cara teria 
                sido um dos fundadores do Projeto Luther Blissett, todo dia a 
                mídia era alimentada com um novo elemento da vida dele. 
                Na televisão estatal italiana tem um programa chamado Chi 
                l'ha visto? (Alguém o viu?), é um programa que 
                procura por pessoas desaparecidas. Tem uma grande audiência, 
                é no horário nobre. Nós recebemos um telefonema 
                deles, dizendo que eles estavam interessados em cobrir o caso, 
                e eles enviaram uma equipe de jornalistas para Bolonha, para nos 
                entrevistar. Nós contamos toda a história, e dissemos 
                que a última vez que ele esteve em contato com os italianos 
                foi em Udine, no nordeste da Itália. Daí nós 
                ligamos para alguns Luther Blissett de Udine e dissemos que a 
                equipe de TV estava indo para lá, então que eles 
                estivessem preparados para serem entrevistados e contarem um monte 
                de besteiras. E foi o que eles fizeram. E o pessoal de Udine disse 
                que o cara era de Londres, então se os jornalistas quisessem 
                saber mais sobre ele deviam ir para Londres e entrevistar seus 
                amigos. Daí, ligamos para algumas pessoas de Londres dizendo 
                o que estávamos fazendo, e que os jornalistas italianos 
                estavam indo para lá, e que eles deviam mostrar-lhes a 
                casa onde o cara teria nascido, colocá-los em contato com 
                seus amigos, então eles inventaram um monte de outras histórias 
                sobre esse cara, e a equipe de TV foi pra Londres, entrevistou 
                esses Luther Blissett e no final, quando estavam prestes a transmitir 
                o programa (já haviam mandado os comunicados sobre o episódio 
                para os jornais, em todo jornal havia um anúncio dizendo 
                "Hoje no Chi la visto o estranho caso do artista que 
                desapareceu na Bósnia"), suspeitaram e checaram no 
                Sistema de Pesquisa Anagráfico do Reino Unido e descobriram 
                que esse cara não existia, mas todos os jornais haviam 
                publicado a história. Então nós fizemos uma 
                conferência de imprensa e revelamos que tudo era uma invenção 
                e os jornalistas tinham gastado um monte de dinheiro de impostos 
                italianos, um monte de dinheiro público, para sair pela 
                Europa procurando por um homem que não existia. Eles nem 
                tinham checado se ele existia realmente, eles imediatamente saíram 
                por aí, procurando por ele. Esse foi o primeiro grande 
                ato do Luther Blissett na Itália porque todos os jornais 
                publicaram artigos a respeito. Daí houve uma reação 
                em cadeia de trotes usando Luther Blissett por cinco anos. 
                
             
             
               
                Como 
                  o da Naomi Campbell... 
               
             
           
         
         
           
              
             
              Wu 
                Ming 1: É, mas esse é 
                verdade! É incrível porque é uma história 
                verdadeira. Naomi Campbell estava em Bolonha para uma cirurgia 
                plástica, para uma lipoaspiração. Quando 
                os jornalistas do Il Resto de Cailino, que é o maior 
                jornal de Bolonha ouviram os rumores eles imediatamente pensaram 
                "Não, isso deve ser um trote do Luther Blissett, não 
                pode ser verdade." E eles publicaram como se fosse uma notícia 
                falsa, mas era real. Eles estavam tão paranóicos 
                no final que qualquer notícia podia ser falsa que eles 
                confundiam as verdadeiras com as falsas. Isso era muito bom.  
             
              
             
               
                 
                  Eles 
                    provaram seu próprio veneno. 
                 
               
             
              
           
         
         
           
             
              Wu 
                Ming 1: Absolutamente. É um pouco 
                como homeopatia, acho que é saudável. Isso era Luther 
                Blissett. Wu Ming é diferente porque Wu Ming é coletivo 
                que trabalha contando histórias, mas de uma maneira diferente, 
                porque as histórias que contamos são projetadas 
                para serem publicadas em livros. Então nós continuamos 
                contando histórias, como fizemos no Projeto Luther Blissett, 
                mas agora estamos explorando um pouco mais os detalhes, um pouco 
                mais profundamente o campo da literatura de ficção. 
                 
                
             
             
               
                Wu 
                  Ming usa o termo copyleft para se referir a um novo jeito de 
                  tratar a propriedade intelectual. Quais são seus princípios? 
                   
               
             
             
                
               
                Wu Ming 1: A 
                palavra copyleft foi inventada pelo Movimento de Software 
                Livre, por Richard Stallman, nos anos 80. É o oposto 
                de copyright, um copyright de esquerda. Foi uma 
                grande inovação. Basicamente, o copyleft 
                é um meio de defender o trabalho das pessoas mas sem impedir 
                que outras pessoas o reproduzam ou copiem. Porque no Projeto Luther 
                Blissett nós escrevíamos "sem copyright". 
                Mas não é o suficiente. Porque "sem copyright" 
                significa que não há proteção possível 
                para que, por exemplo, uma produtora cinematográfica, uma 
                corporação, pegue a história e ganhe dinheiro 
                só parasitando o nosso trabalho. Aí nós começamos 
                a pensar no Movimento de Software Livre e entendemos que 
                o copyleft é mais válido. A nota de copyleft 
                é como a de copyright, mas abaixo dela está 
                escrito "o autor desta obra permite sua livre reprodução 
                somente para fins não-comerciais e somente se quem a utilizar 
                não a colocar sob copyright". Isto significa 
                que o copyleft, ao invés de ser um obstáculo 
                para a reprodução, se torna uma garantia da reprodução. 
                Porque é um direito inalienável. Significa "eu 
                tenho o direito autoral sobre o texto e você não 
                pode fazer nada para impedir que eu autorize outras pessoas a 
                copiá-lo". É um paradoxo, mas é um paradoxo 
                muito fértil. Porque você pega a legislação 
                existente sobre propriedade intelectual e a põe de cabeça 
                para baixo, ou melhor, do lado direito para o esquerdo. Eu acho 
                que esta é a melhor direção para a qual se 
                mover e explorar, porque defende o trabalho. Uma produtora de 
                cinema ou outra editora não pode pegar nossos livros e 
                ganhar dinheiro com eles sem dar-nos parte desse dinheiro. Q, 
                por exemplo, vendeu 200 mil cópias e várias produtoras 
                se interessaram em filmá-lo. Se não houvesse nenhum 
                tipo de proteção eles poderiam ter feito um filme, 
                reforçar sua posição nos negócios 
                de corporações e parasitar o nosso trabalho sem 
                pagar dinheiro algum. Nesse caso, eles têm que negociar. 
                Já as pessoas que não querem ganhar dinheiro sobre 
                a obra podem copiar e usar o livro. Para fins não-comerciais 
                a reprodução é gratuita. 
                
             
             
               
                Porque 
                  vocês recusam o termo "artista" para o escritor? 
                  Se pensarmos arte como Aristóteles, como uma techné, 
                  que significa "um modo de produzir algo", não 
                  podemos usar o termo "artista" para a produção 
                  escrita? 
               
             
             
                
               
                Wu Ming 1: Nós 
                usamos o termo "arte", mas no mesmo sentido que a "arte" 
                dos artesãos. Se você for a um carpinteiro e pedir 
                para que ele faça uma mesa, ele a faz. Se você vier 
                até nós e pedir que nós contemos uma história, 
                nós o faremos. Temos técnicas para isso. Isso é 
                arte para nós. Nós nos chamamos de "artesãos 
                da narrativa", não "artistas", porque pensamos 
                que o termo "artista", infelizmente, está mais 
                relacionado a uma dimensão idealista, individualista de 
                arte: inspiração, gênio, as musas, e outras 
                coisas que fazem com que o artista de repente tenha uma iluminação, 
                enclausurado em sua torre de marfim, comece a escrever compulsivamente, 
                porque a musa está falando com ele, e o seu gênio 
                está em contato com estágios elevados de consciência, 
                toda aquela coisa romântica. Nós recusamos a superstição 
                sobre a autoria, sobre contar histórias, sobre escrever, 
                sobre arte. O termo "artesão" é mais concreto. 
                Significa que eu posso fazer uma mesa, posso esculpir coisas na 
                madeira, posso fazer um vaso de cerâmica, posso escrever 
                um romance. É muito simples, não é teórico. 
                Nós simplesmente pensamos que não somos gênios, 
                que não somos melhores do que ninguém, só 
                estamos tentando fazer nosso trabalho da melhor maneira possível. 
                Não estamos em contato com estágios elevados de 
                sensibilidade. Então não nos chamamos de artistas 
                porque pode haver uma falta de entendimento do termo. 
                
             
             
               
                Quando 
                  vocês realizam suas ações, como as do Projeto 
                  Luther Blissett, elas não são semelhantes ao conceito 
                  romântico de artista? 
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Eu acho que não, porque 
                sempre colocamos a ênfase na dimensão coletiva da 
                realização da ação. É uma criação 
                coletiva anônima, a qual qualquer um pode adicionar um elemento, 
                um rumor, um pedaço da história. Isso não 
                tem muito a ver com o conceito romântico de artista. É 
                mais similar ao modo como a arte era antes das pessoas começarem 
                a teorizá-la. Contar histórias era um ato coletivo 
                nas épocas remotas. A Bíblia, o Mahabarata, a Ilíada 
                e a Odisséia são resultados de uma contínua 
                remanipulação coletiva de todo o patrimônio 
                histórico. Não se consegue saber quem exatamente 
                escreveu determinado livro da Bíblia. Acho que a nossa 
                atividade no Projeto Luther Blissett e Wu Ming é mais parecida 
                com o que a arte era antes de ganhar um "A" maiúsculo 
                de reverência. A "arte" antes de ser "Arte". 
                   
               
             
             
               
                No 
                  livro "Mind Invaders" vocês mencionam o plágio 
                  como um caminho para a "condividualidade". Como você 
                  concebe o plágio na cibercultura? 
               
             
             
               
                 
                 
                Wu Ming 1: Plágio 
                é uma definição ideológica que, para 
                propósitos provocativos, a cultura underground tomou 
                e começou a usar de maneira positiva. Plágio é 
                um conceito definido por lei, é um crime. Os afro-americanos 
                chamam uns aos outros de "nigger" ( nota 
                3 ), os ativistas homossexuais se chamam por "queer" 
                ( nota 4 ) então nós nos chamamos 
                de "plagiários", porque é a maneira com 
                que o poder quer nos descrever.  
                 
                Plágio é a maneira usual da evolução 
                da cultura. A cultura não nasce do nada, de repente uma 
                idéia brilhante, perfeita, vem à superfície 
                e começa a se disseminar. Não é assim. Há 
                sempre uma remanipulação, uma reconstrução 
                de coisas que existiram antes, ou que existiram paralelamente. 
                A cultura está completamente baseada no plágio. 
                O progresso de idéias implica plágio. Porque todo 
                mundo vive no mundo, envolto em realidade e se inspira em coisas 
                que já existem. Ninguém cria nada do vácuo. 
                 
                 
                É um pouco absurdo que a legislação existente 
                acha que o plágio é um crime, já que toda 
                mundo plagia. Por exemplo, enquanto estou escrevendo um livro 
                tenho conversas, vejo TV, encontro pessoas na rua, vou a concertos, 
                etc. Guardo tudo isso inconscientemente ou semi-conscientemente, 
                vou reelaborando e, de uma maneira ou outra, influencia o meu 
                livro. Isso é plágio. É normal. Plágio 
                é o progresso das idéias. 
               
             
             
               
                Tom 
                  Zé, um músico brasileiro, escreveu que "a 
                  era do autor e do compositor acabou", e vê surgir 
                  a era do plagiocombinador. Você concorda? Como você 
                  vê essa manifestação na produção 
                  cultural atual?  
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Acho que ele está completamente 
                certo. Em música, algumas pessoas usam o termo plunderphonics, 
                 ( nota 5 ) que significa saquear, como 
                os bárbaros que vinham às cidades e roubavam tudo. 
                Na plunderphonic você toma dados e os reorganiza 
                e cria algo novo das coisas preexistentes.  
                 
                Não é uma característica exclusivamente atual. 
                Sempre foi dessa maneira. Agora só é mais explícito 
                porque há tecnologias de recombinação de 
                informação, reprodução digital, compressão 
                de arquivos, compartilhamento de conhecimento. 
                 
                No entanto, se você pensar no Teatro Elisabetano, na Inglaterra, 
                você pode comparar versões de várias peças 
                e ver a recombinação de muitos elementos, transferidos 
                de um lugar para outro. A razão é simples. Os dramaturgos 
                se encontravam em pubs e discutiam suas peças. Há 
                uma cena em "Shakespeare Apaixonado" em que Marlowe 
                e Shakespeare se encontram num pub e começam a falar sobre 
                o que estão escrevendo. Além disso, não havia 
                distinção entre o autor e o ator. Shakespeare atuava 
                nas peças que escrevia. Então ele continuava discutindo 
                coisas com os outros atores durante os ensaios, o texto era constantemente 
                modificado, com inspirações de outras peças 
                que os atores tinham visto, ou peças que tinham lido. A 
                "Comédia dos Erros", de Shakespeare, por exemplo, 
                tem exatamente o mesmo enredo que "Menecmi", de Plauto, 
                mas com variações brilhantes que criam algo diferente. 
                "Menecmi", por sua vez, é similar a "Fratelli", 
                de Terêncio, é mais ou menos o mesmo enredo. Essas 
                duas peças passam pelo enredo da "Comédia dos 
                Erros". Provavelmente eles continuavam mudando referências 
                durante as apresentações. O público normalmente 
                gritava coisas como "esse personagem é chato, corte-o" 
                ou "por que você não faz esse idiota morrer, 
                eu o odeio". Ele tomava as sugestões e continuava 
                mudando o roteiro para as apresentações seguintes. 
                O que temos agora, quando lemos Shakespeare, é apenas uma 
                das muitas versões que foram achadas. É uma espécie 
                de combinação que filologistas fizeram, mas é 
                impossível se ter uma versão única das obras 
                do Teatro Elisabetano.  
                 
                Depois houve o romantismo, o academicismo, o idealismo na filosofia, 
                houve também os interesses da indústria cultural 
                no século XX para criar essa figura legendária do 
                "autor", como se fosse um indivíduo. Mas, antes 
                disso, a criação era explicitamente baseada na plagiocombinação, 
                porque não havia lei criminalizando isso. Toda a legislação 
                de direitos autorais é muito recente. Duzentos anos, no 
                máximo. Há muitos exemplos de tentativas de se criar 
                uma legislação antes disso, mas a forma moderna 
                de direito sobre propriedade intelectual não tem mais de 
                duzentos anos. Antes disso a plagiocombinação era 
                como a autoria de hoje, acontecia freqüentemente. Continuou 
                acontecendo, mesmo depois, mas implicitamente, porque a lei impede 
                o plágio. Agora, por causa das novas tecnologias, está 
                se tornando explícito novamente. Mas não é 
                novo. 
               
             
             
               
                Qual 
                  a sua opinião sobre fenômenos baseados na web, 
                  como o Linux e o Napster, por exemplo? 
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Primeiro, o Napster, não 
                só o Napster, mas qualquer programa para compartilhar MP3 
                numa plataforma peer-to-peer ( nota 6 
                ), porque o Napster não existe mais (por exemplo, eu uso 
                WinMX, e outras pessoas usam Kazaa). É outro exemplo de 
                como o poder pode definir um conceito ideologicamente: pirataria. 
                Isso não é pirataria, é uma reapropriação 
                da cultura por pessoas que acham um absurdo que um CD custe 20 
                libras na Inglaterra. É incrível como é caro 
                comprar música em todos os países. É claro 
                que é proporcional a renda média da população. 
                A indústria fonográfica é incapaz de compreender 
                o que está por trás da pirataria. É uma necessidade, 
                porque a música é inacreditavelmente cara e as pessoas 
                querem ouvir música sem pagar esse preço. As gravadoras 
                podiam ter feito algo para parar com a pirataria há três 
                anos. Eles tinham que baixar os preços dos CDs e se contentar 
                com lucros normais, ao invés de lucros incríveis. 
                Mas eles queriam sugar o sangue dos consumidores, e não 
                entenderam o que estava prestes a ocorrer. Eles achavam que para 
                parar o Napster bastava mandar a polícia. O Napster foi 
                barrado, mas a idéia de compartilhar conhecimento numa 
                network de peer-to-peer se espalhou para todos os lugares. 
                Se houvessem cortado os preços talvez não existisse 
                a necessidade de se fazer download de músicas em 
                MP3. Agora, é uma cobra comendo o próprio rabo. 
                Já que as pessoas não estão comprando mais 
                CDs, eles aumentam os preços. Acho que brevemente eles 
                vão entrar em colapso. Eles estão se suicidando 
                porque são estúpidos.  
                 
                A coisa mais importante sobre o Linux, ou os Free Softwares 
                e Open Source (nota 7 ) é 
                o copyleft. É uma inovação radical 
                na maneira de se tratar a propriedade intelectual. Mas há 
                outra coisa muito importante. Free Softwares e Open Sources 
                são a prova de que produtos feitos por um monte de pessoas 
                em cooperação são melhores do que produtos 
                com copyrights. Na tecnologia de servidores de internet, 
                Linux é muito melhor e mais confiável do que o Windows. 
                As pessoas que programam o Windows são pagas para fazê-lo, 
                não estão entusiasmadamente dedicadas ao trabalho. 
                São simplesmente empregados. Enquanto isso, há uma 
                grande comunidade de milhares de usuários que continuam 
                melhorando o Linux, porque o copyleft as autoriza a fazê-lo. 
                Então, se eles acharem um falha no software, eles podem 
                arrumar a falha e enviar a solução. Essa é 
                a prova de que trabalho comunitário, coletivo, colaborativo, 
                faz um produto melhor do que a maneira usual, centralizada e corporativa 
                de produção.  
               
             
             
               
                A 
                  revista brasileira Carta Capital escreveu, em 24 de abril de 
                  2002, que Luther Blissett era o herdeiro da Internacional Situacionista 
                  de Guy Debord. O grupo fez uma nota no site dizendo que isso 
                  não era correto. Vocês tem um texto chamado "Guy 
                  Debord está morto". Qual a conexão entre 
                  Wu Ming/Luther Blissett e Guy Debord? 
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Nós viemos de outro movimento, 
                Centri Sociali Occupati, na Itália, viemos do Movimento 
                Autonomia, da cultura underground. Não temos 
                muito a ver com a visão aristocrática e elitista 
                da Internacional Situacionista de Guy Debord. Por exemplo, todas 
                as coisas de que falamos até agora seriam trabalhadas por 
                Guy Debord como manifestações do Espetáculo, 
                como reificação ( nota 8 ) 
                de coisas inúteis. Porque o Situacionismo nunca olhou para 
                o lado positivo da produção da cultura. Eles sempre 
                tiveram uma visão apocalíptica. É essa coisa 
                da reificação! Tudo o que você fizer será 
                reificado pelo capital. Uma teoria que fica te dizendo que tudo 
                o que você faz é inútil é uma teoria 
                reacionária. Nós achamos que uma teoria radical, 
                uma teoria revolucionária, devia mostrar-lhe que as coisas 
                são possíveis de se fazer. Mas o Situacionismo não 
                é assim. O Situacionismo é herdeiro da dialética 
                negativista da Escola de Frankfurt. A maioria dos situacionistas 
                eram pessoas muito ricas, não estavam em contato com o 
                dia-a-dia dos trabalhadores, de pessoas que dependiam dos resultados 
                concretos da batalha. Então eles tinham essa idéia 
                dândi e estética da batalha, ela deveria ser pura, 
                não deveria ter um resultado concreto, porque todo resultado 
                seria reificado pelo capital, incorporado no espetáculo, 
                e usado contra você. Na Europa, o Situacionismo teve 30 
                anos de existência e nenhuma aplicação prática. 
                Porque as pessoas que leram a teoria situacionista e gostaram, 
                simplesmente passaram a escrever teoria situacionista. Então 
                era só escrita, escrita, escrita... e nenhum envolvimento 
                em conflitos reais, porque os conflitos reais seriam reificados... 
                Eu estou pouco me fodendo para isso. Conflitos reais devem alcançar 
                resultados que pessoas possam usar para viver melhor. Estou pouco 
                me fodendo para a visão purista, aristocrática e 
                apocalíptica.  
                 
                Por isso, acho que Luther Blissett e Wu Ming não são 
                pós-Situacionistas. Porque é um outro jeito de se 
                olhar a realidade. Nós colocamos a ênfase no lado 
                positivo da produção cultural, e não no lado 
                negativo. Há uma frase de Adorno que é incrivelmente 
                reacionária, e está em um de seus trabalhos mais 
                famosos, "Mínima Moralia", é uma coletânea 
                de aforismos. Ele diz: "Nessa sociedade repressora, a emancipação 
                do indivíduo é uma ameaça para o próprio 
                indivíduo." É uma camisa de força, você 
                não pode escapar. Então é completamente inútil. 
                E o Situacionismo começou muito bem no final dos 50 e começo 
                dos 60, falando de "construção de situações", 
                "reapropriação do dia-a-dia", mas depois 
                de 1962, começou a falar de "reificação" 
                e "espetáculo" e se tornou o oposto da intenção 
                inicial. Hoje em dia eu acho que é uma teoria que não 
                tem utilidade prática. 
                 
             
             
               
                 
                  Qual 
                  é a participação de Wu Ming no movimento 
                  de anti-globalização? 
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Wu Ming esteve diretamente envolvida 
                desde o começo do movimento na Itália. A Itália 
                é um laboratório de subversão muito interessante. 
                Desde que o Projeto Luther Blissett saiu do Centri Sociali 
                Occupati nós estamos envolvidos nas atividades do movimento. 
                Nossa principal contribuição para o movimento é 
                a contação de histórias. É a tentativa 
                de contar as histórias certas, que façam as pessoas 
                quererem lutar e continuar lutando. Não é simplesmente 
                propaganda. Nós chamamos de mitopoiesis. Nós 
                falamos sobre mitos, mas não no sentido de "histórias 
                falsas", mas no sentido de "histórias compartilhadas". 
                Histórias que pertencem a uma comunidade maior e que são 
                constantemente remanipuladas pela própria comunidade. 
               
             
             
               
                É 
                  o mesmo sentido do termo que usam autores como Mircea Eliade 
                  e Campbell. 
               
             
             
                
              Wu 
                Ming 1: Exatamente. Vem da antropologia. 
                Os antropólogos dizem que Mitopoiesis foi uma fase 
                muito antiga da história da humanidade. Nós acreditamos 
                que a mitopoiesis continua acontecendo todo dia. Mitos 
                do dia-a-dia. As histórias são reconstruídas, 
                remanipuladas e colocadas em prática. Especialmente na 
                nossa colaboração com os Tute Bianchi ( nota 
                9 ), que não existem mais, nós contávamos 
                histórias, basicamente. Como aquele personagem do Asterix 
                que acaba amarrado a uma árvore no final da história. 
                O bardo. Nós éramos os bardos do movimento nos últimos 
                três anos. A única diferença é que 
                nunca fomos amarrados a uma árvore, as pessoas não 
                corriam de nós quando começávamos a cantar 
                e a contar a história, e participávamos dos banquetes 
                no final da história. O bardo é um bom exemplo, 
                porque em alguns vilarejos o bardo era o contador de histórias, 
                era quem contava a epopéia da vila. Nós fizemos 
                mais ou menos a mesma coisa com o movimento.  
                 
                Um exemplo de mitopoiesis. Antes da manifestação 
                em Gênova ( nota 10 ), nós 
                escrevemos uma longa história sobre as mais radicais rebeliões 
                da história da Europa, desde o século XIV. Era mais 
                ou menos como a literatura de cordel. Era um poema épico, 
                em verso livre, que começava no século XIV e acabava 
                com o levante zapatista de 1994. Era a história de rebeliões 
                camponesas e a narração dizia "nós somos 
                novos, mas somos os mesmos de antes", que é uma frase 
                do subcomandante Marcos. Era a continuidade da luta desde o século 
                XIV até Gênova. As pessoas ficaram abismadas: "Uau, 
                eu não sabia! Há uma continuidade!". Atores 
                começaram a declamar a história nas ruas, foi lido 
                em várias rádios livres por todo o país, 
                foi publicada em vários fanzines, revistas e sites, foi 
                traduzido para o espanhol, para o francês, para o inglês 
                e começou a circular. E construiu um épico sobre 
                "as razões pelas quais vamos para Gênova". 
                Era uma cobrança pelo que aconteceu no século XIV, 
                no século XV, no século XVI, etc. Funcionou porque 
                várias pessoas tomaram conhecimento do texto e foram pra 
                Gênova. Elas se sentiram parte de uma comunidade maior, 
                que não era apenas contemporânea, mas que incorporava 
                os ancestrais. Era uma ironia, porque é claro que não 
                há continuidade real, mas era um ato mitopoiético. 
                A mídia oficial tentou descrever o movimento como coisa 
                de comunistas, que as pessoas eram como aquelas dos anos setenta, 
                forjando origens distorcidas do movimento. Então nós 
                dissemos "nós somos as mesmas pessoas que no século 
                XIV fizeram aquela rebelião...". A mídia foi 
                pega de surpresa.  
                
             
             
              
               
                Há 
                  uma bela frase no seu site que é "Essa revolução 
                  não tem rosto". Se a revolução não 
                  tem rosto, como será o rosto do mundo depois da revolução? 
               
             
            
             
               
                Wu 
                  Ming 1: Não há "depois 
                  da revolução", o processo é contínuo, 
                  já começou. Você pode ver em certas partes 
                  da vida que já há pré-condições 
                  do que podemos chamar de anarquia, socialismo ou comunismo, 
                  você que sabe. Eu não acho que a revolução 
                  é algo que acontece de repente, do dia pra noite, e que 
                  no dia seguinte o mundo está diferente. Acho que isso 
                  é muito ingênuo. Eu acho que os Free Softwares, 
                  o movimento anti-globalização, tudo o que está 
                  acontecendo, nos mostra que a única possibilidade de 
                  evolução está na maneira mais solidária, 
                  coletiva, de se fazer as coisas, de se viver. Acho que a internet 
                  é um sintoma disso. A internet tem resistido a todas 
                  as alternativas de se comercializar. Há dez anos as pessoas 
                  falavam da internet apenas como uma maneira de se fazer negócios. 
                  Eles diziam que em alguns anos as grandes corporações 
                  iriam tomar o lugar das manifestações individuais 
                  na rede. Não aconteceu assim. Na verdade, a chamada "nova 
                  bolha da economia" explodiu, as corporações 
                  não puderam fazer lucro com a internet, e a internet 
                  ainda está lá, o acesso continua crescendo, os 
                  espaços individuais e horizontais ainda são a 
                  realidade da internet. A internet é um sucesso por causa 
                  dos fóruns, das listas de correspondência, dos 
                  chats, das networks de peer-to-peer, por 
                  causa disso. Não por causa dos sites das corporações, 
                  como a sony.com. Ninguém dá bola para a sony.com. 
                  As pessoas acessam a internet para se comunicar umas com as 
                  outras, não com as Corporações. Essa é 
                  uma boa prova do fato de que estamos evoluindo, ainda que lentamente 
                  e com contradições, para uma maneira mais coletiva, 
                  solidária, horizontal, de viver junto. É claro 
                  que é uma guerra. Nós temos inimigos. Temos Bush 
                  e outras pessoas que querem parar esse processo, mas o processo 
                  já começou. Não é algo que vai ocorrer 
                  no futuro. Está ocorrendo agora. Temos que entender isso 
                  e lutar.  
                   
                   
                  <<< 
                   
                 
                  Notas 
                   
                  1. 
                  A palavra inglesa network parece exprimir melhor o significado, 
                  neste caso, do que a palavra rede. <<< 
                   
                   
                   
                  2 
                  Em inglês, media pranks. <<< 
                   
                   
                   
                  3 
                  Gíria usada para referir-se a negros nos EUA. <<< 
                   
                   
                   
                  4 
                  Gíria usada para referir-se a homossexuais de ambos os 
                  sexos. <<< 
                   
                   
                  5 
                  De "plunder" (pillhagem). A minha livre-tradução 
                  seria "piratofonia". <<< 
               
               
                 
                6 
                Tipo de compartilhamento de dados em que qualquer usuário 
                é capaz de acessar arquivos que qualquer outro usuário 
                conectado na rede disponha para tal fim. <<< 
                 
                 
                7 
                Open Sources e Free Softwares são programas de programação 
                coletiva e participativa. Qualquer usuário pode incrementá-lo 
                e enviar uma nova versão para a rede. <<< 
                 
                 
                8 
                A palavra que ele usa é recuperation. Preferi "reificação" 
                a "recuperação". <<< 
                 
                 
                9 
                Grupo de ativistas políticos que foi importante nas recentes 
                manifestações anti-globalização, em 
                especial em Gênova, em julho de 2001. Usavam macacões 
                brancos, de onde o nome, e eram adeptos da não-agressão 
                como instrumento de luta. <<< 
                 
                 
                10 
                Durante a reunião do G-8, em 2001. <<< 
                 
                 
                 
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