O símbolo no estudo da hierofania estética Antônio Vargas* Palavras chaves:
Neste artigo se reflete sobre as possíveis conseqüências para o estudo do sagrado na prática artística quando se utiliza como conceito referencial a definição de símbolo apresentada por pesquisadores próximos ao Círculo de Eranos. Particularizando nas conceituações apresentadas por Raimón Panikkar e Gilbert Durand, ao considerar a obra de arte como objeto simbólico, o autor do artigo procura evidenciar a importância que a definição conceitual possui na compreensão deste problema. In this article we think about the possible consequences
for the academic study of the sacred within the artistic practice, when
we use as a referencial concept the symbols definition presented
by ressarchers closse to Eranos Circle. The conceptions presented
by Raimón Panikkar and Gilbert Durand, in particular, when considering
art work a simbolic object, the articles author tries to show the
importance of conceptional definition in this problems comprehension.
Assim pois, dando continuidade a estas reflexões e questionamentos, neste artigo não pretendo discutir a coerência ou não dos conceitos destes teóricos e sim, modestamente, especular dentro das limitações deste espaço sobre as conseqüências que uma resposta afirmativa a minha pergunta traria para o estudo da arte, seja apenas na análise da obra como também na sua realização. É conveniente recordar que entendo que a revalorização epistemológica do símbolo e do mito que a Escola de Eranos realizou, possibilita interessantes perspectivas teóricas para a reflexão artística em geral e, em particular, para o estudo do sagrado, como se pode intuir pelas palavras de Luis Garagalza:
Na busca de uma organização para esta reflexão e, sobretudo considerando a natureza e dimensão do espaço disponível, opto por iniciar justamente com as considerações de Raimón Panikkar porque, ainda que este pensador não esteve pessoalmente vinculado ao Círculo de Eranos, o conceito de símbolo apresentado em Símbolo y Simbolización(1) (in Kerényi e outros, 1994) é de grande interesse para meu propósito, já que em certos aspectos este autor ao radicalizar a delimitação territorial dos instrumentos de conhecimento racional e simbólico, permite uma compreensão muito mais ampla do problema que aqui discuto. Posteriormente então, reflito de forma muito sintética sobre as possibilidades e problemas na aplicação dos conceitos apresentados por este renomeado pensador através de uma correlação com algumas das definições apresentadas por Gilbert Durand e sua mitocrítica, dando assim continuidade ao recorte metodológico da análise das funções que as mitologias heróicas desempenham na construção da identidade artística(2). Solicito perdão pela dimensão longa de algumas citações do texto de Panikkar, mas as justifico pela intenção de evitar o risco de empobrecer os conceitos razão deste texto por mais uma tradução, uma vez que o utilizado foi versão espanhola. .......................................... Panikkar enfrenta corajosamente as considerações metodológicas. Para ele, o método representa o caminho através do qual se atinge uma meta, no entanto afirma, que o método fundamental da cultura ocidental que se expressa no "pensar/ser" consiste em ir em direção ao objeto ou sujeito, em retroceder, em voltar a origem e ser consciente. Em um ou outro caso, o movimento é sempre em direção ao interior. É o método da re-flexão. Mas Panikkar sustenta que a perspectiva do "ser/falar" também oferece um método, que no entanto, ao contrário do utilizado pelo pensamento ocidental, não nos obriga a retroceder, a re-fletir. E servindo-se da conhecida piada do bêbado que procura a chave da porta sob o poste de luz longe de casa, destaca que a dificuldade do método estaria na insistência dos pensadores ocidentais em seguir procurando a chave que lhe abra o sentido da vida onde há luz, pois como afirma, em certo sentido o bêbado tem razão. Mas a razão não é tudo. E é a partir destas premissas que o entendimento do símbolo cobra sentido. Afirma Panikkar:
Como se vê, para este autor a relação através da qual se gesta o conhecimento simbólico é o próprio símbolo. Não são os pólos da relação que o constituem, mas justamente é o contrário que ocorre, ou seja, é o símbolo que dá constituição aos pólos. Por esta razão que Panikkar afirma que o símbolo é a "relação vivida". É aqui onde se cobra maior importância o conceito para o historiador ou estudioso da arte. Em primeiro lugar porque se utilizado, a "relação" a que o autor descreve como símbolo, não definiria o encontro do observador com um objeto histórico e sim a epifania da "arte". Em segundo porque delimita claramente que o distanciamento crítico em relação ao objeto ou sujeito, quando existe, inviabiliza o conhecimento simbólico, pois o símbolo, isto é, a arte, se constitui justamente com a minha vivência, e não apenas com a minha presença diante da obra. Claro que, salvo raras exceções, o estudioso escolhe como objeto de estudo, obras com as quais mantém a priori uma identificação, isto é, já vivenciou com anterioridade no objeto as suas "propriedades artísticas", logo, simbólicas. E é a esta experiência que antecede a análise "científica"- que Panikkar se refere quando diz:
Se a consciência simbólica não admite um Eu e um Tu na relação, aquela somente pode existir na vivência que o pesquisador estabelece com a arte através da obra antes de realizar a análise, pois nesta não apenas a obra mas também a "arte" simbolizada é objeto, o que é incompatível com a definição. Se seguirmos com esta conceituação, para que o artístico que a análise revela seja expressão do conhecimento simbólico e o sagrado, que é conteúdo simbólico, neste caso comparece como conteúdo artístico o discurso deve ser mítico, pois para este autor como veremos, o único veículo de expressão do símbolo é o mito. Naturalmente, que a afinidade entre Panikkar e os eranistas reside, entre outros pontos, em uma contundente crítica àquelas análises em que os conceitos utilizados no discurso caracterizem o mito como uma não expressão da verdade. Portanto, se a análise da obra de arte está construída com conceitos que desconsideram o mito como veículo que expressa um conjunto de verdades, consequentemente estará impossibilitada de aludir ao conteúdo simbólico da obra de arte, e portanto, ao sagrado. Mas se aceitamos como correta a premissa que o mito é o único veículo de expressão do simbólico, estamos obrigados a admitir que mesmo uma análise científica elaborada com este conceito de mito estará impossibilitada de aludir com certeza ao sagrado na arte, pois como alerta Panikkar:
Em definitivo, se levarmos às últimas conseqüências estas conceituações, os únicos discursos capazes de revelar a consciência simbólica, e consequentemente ao sagrado existente na obra de arte são o discurso mítico (escrito ou falado) e o objeto artístico, este último, porque justamente é a forma plástica do discurso mítico. Por esta razão é que Panikkar conclui seu texto propondo como adequado falar-se de uma "consciência mítica" mais que de uma "consciência simbólica", pois os símbolos seriam os tijolos com os quais o mito está construído. O que inevitavelmente conduz à busca de uma compreensão do mito como única via possível para a compreensão do simbólico. Mas o autor alerta que não é possível uma fenomenologia do mito porque neste não há um noema (3), e sim um pisteuma(4) . É este que aparece à consciência mítica, e sua compreensão exige um processo muito diferente do utilizado para captar aquele, pois como afirma:
Dentro desta perspectiva, a compreensão da obra de arte está diretamente condicionada ao tipo de "relação" estabelecida entre o observador e a obra. Se esta é tomada como "objeto" de conhecimento, como produto "histórico", a compreensão de seus significados se expressa através de um enunciado racional, que destaca analogias entre esta ou aquela característica visual e as de outros objetos artísticos da mesma ou de diferentes épocas e contextos, mas que sob nenhum aspecto revela o sentido simbólico imanente da obra. É apenas objeto cujas propriedades externas são tratadas por uma sociologia, psicologia ou por uma semiótica. Isto porque, para acessar a "revelação", a obra não pode ser reduzida simplesmente a condição de objeto histórico, ou objeto do conhecimento. O sentido "oculto" da obra de arte, seu significado simbólico, o sagrado, apenas é revelado àquele que "vivencia" a "obra como símbolo", isto é, que crê no "mito", e portanto participa do rito. Logo, a expressão do sagrado não pode ser o relato de uma experiência que o indivíduo tem com algo externo a si. Não é a objetividade do "homem no mundo", nem a subjetividade do "mundo no homem"; mais bem é "o mundo e o homem em uma unidade", como uma só "alma" que o transcende. Mas a mitocrítica se propõe a se uma metodologia para o estudo da obra como objeto histórico sem cair nesta contradição. Vejamos por que.
A recriação mítica da epifania Para Gilbert Durand toda a compreensão de uma obra de arte exige, para ser completa, uma referência aos grandes mitos. Isto porque para este autor a obra mais que uma simples visão de mundo, é um universo no qual estão ordenados e articulados valores de procedência numinosa (5). Assim sendo, para Durand, a verdadeira "obra-prima" é a que consegue ressuscitar ou restaurar o mito (Garagalza, 1990:100), o que eqüivale a dizer que, todo contato com uma "autêntica" obra de arte é uma hierofania (6)porque para este autor, toda obra de arte é, em maior ou menor medida, a recriação (mítica) de uma epifania. Esta é a principal razão e justificativa para uma mitocrítica, que Durand apresenta como uma síntese construtiva de diferentes críticas constituídas como um "triedro" envolvendo a) do positivismo de Taine ao marxismo de Lukács , b) da crítica psicológica e psicanalítica de Ch. Baudoin e Ch. Mauron à psicanálise existencial de Doubrowsky e, c) do formalismo e estruturalismo de Jakobson e Greimas. Sem que seja minha intenção realizar uma apologia da mitocrítica elaborada por Durand(7) , o fato é que esta terminologia me parece a mais adequada como denominação para a interpretação que revela a referência ao sagrado existente nas artes plásticas, sejam estas contemporâneas ou não. Isto porque, como a numinosidade não pode ser definida ou compreendida através de conceitos, e a hierofania pode ser entendida como uma "consciência da numinosidade do objeto", o conhecimento revelado; ao que a interpretação aludi, é compreendido pelo que Panikkar chama de consciência mítica, pois somente esta pode captar o pisteuma. Muito mais do que uma temática resultante de uma imagem ou do uso de materiais, o sagrado a ser estudado na obra de arte seria o eco do sentido original do objeto artístico como simbolização do divino. Uma hermenêutica simbólica, ou uma mitocrítica, é apresentada por Durand como resultado de uma confrontação do universo mítico que forma o gosto ou a compreensão do leitor, com o que emerge da leitura da obra (Durand,1993:342). Desta forma a análise proposta não pretende "revelar" o sagrado e sim o mito que (oculto) permite ao leitor reconhecer a numinosidade do objeto. Mas se é este universo mítico que forma o gosto ou a compreensão do leitor (observador) que interessa em particular para uma mitocrítica, antes de compreender o papel deste universo na interpretação artística é conveniente marcar semelhanças e diferenças entre estes dois simbolistas. Como Panikkar, Durand também entende que a realidade é simbólica e propõe uma superação do dualismo ocidental que separa o corpo da alma e a consciência racional dos fenômenos subjetivos, desvalorizando estes últimos. A função simbólica também é apresentada como a que integra a totalidade da psique, já que, como Durand sustenta, não existe ruptura entre o racional e o imaginário, pois o racionalismo é apenas uma estrutura polarizante particular, entre outras tantas, do campo das imagens. (Garagalza, 1990:56) Também se poderia dizer que como Panikkar, o símbolo para Durand, é resultado de uma relação, pois seu significado passa a ser compreendido como fruto (ou acordo) de uma "incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social. (...) Assim o trajeto antropológico pode indistintamente partir da cultura ou do natural psicológico, uma vez que o essencial da representação e do símbolo está contido entre esses dois marcos reversíveis" (Durand, 1989:29,30) (8) Aqui no entanto, há mais uma diferença entre estes autores. Para Panikkar ao falar-se em símbolo não se pode falar em interior/exterior. A consciência simbólica por não permitir este tipo de oposição não pode ser definida como resultado desta. Assim como Panikkar é categórico quando exemplifica o pisteuma, ao afirmar que o veículo do mito é a "fé no sentido filosófico" do termo(9) para justificar a necessidade do rito e da vivência, Durand também sustenta a impossibilidade do pensamento direto de captar o sentido simbólico de maneira exterior ao próprio processo simbólico. E muito embora Durand defenda uma relativa defasagem homóloga entre mito e rito o que confere uma certa autonomia aos termos -, é também a vivência o fator determinante para a compreensão dos significados simbólicos e, consequentemente, para a formação do universo mítico, pois para este autor, o alinhamento diacrônico dos acontecimentos simbólicos na narrativa mítica, não é independente do fundo semântico dos símbolos. Ao analisar o conceito de símbolo deste autor, Garagalza afirma que:
O que garante a coerência entre a imagem e o sentido da experiência antropológica é o respeito pelo trajeto antropológico. Como se viu acima, Durand entende o símbolo como resultado de um acordo entre as pulsões subjetivas do sujeito e as intimidações objetivas do meio social. As ressonâncias ou "ecos" referem-se aos esquemas; raiz afetiva de onde nasce o simbolismo. Ao apresentar sua classificação simbólica, Durand recusa tanto aquelas que apoiam-se em uma ordem de motivação cosmológica e astral (cfr. Eliade e Krappe), como as que se servem de uma física qualitativa (cfr. Bachelard ), ou de categorias exclusivamente sociológicas ou filológicas (cfr. Dumézil, Piganiol e Przyluski ). Como conseqüência desta recusa, propõe um método que ao mesmo tempo seja pragmático e relativista; homológico e não analógico. Mais do que elementos que ordenam-se em "cadeias" que pressupõe elos deve-se entender o simbolismo como elementos que agrupam-se em "constelações". E para explicar estas migrações e agrupamentos, Durand recorre à reflexologia (cfr. Vedenski, Betcherev, Oukhtomsky e Oufland) para indicar que são as "dominantes" postural (ou de posição em referência a verticalidade do ser humano), digestiva (ou de nutrição), e cíclica (ou sexual) a base de onde deriva todo o simbolismo. Mas Durand adverte:
Os esquemas, são assim apresentados como "generalizações dinâmicas e afetivas das imagens", fazendo as junções entre as dominantes reflexas e as representações. A diferença entre os gestos reflexológicos e os esquemas, é que estes apresentam-se como "trajetos encarnados em representações precisas" (Durand,1989:42). Por sua vez, estes esquemas em contato com o ambiente cultural derivará nos grandes arquétipos (10)e estes, ao ligarem-se as diferentes imagens culturais derivariam no símbolo, em seu sentido estrito. É este distanciamento da imagem de sua origem o esquema que faz com o que o símbolo tenha diferentes sentidos, mas é ao mesmo tempo esta pluralidade que reveste de importância o símbolo. Assim por exemplo, a dominante postural terá a ver com os esquemas de elevação e separação, o esquema de elevação com os arquétipos do cume, do chefe, da luminária, com a tecnologia das armas, e com um rico e diverso simbolismo como a flecha, a escada, o avião, etc. O mito por sua vez, será entendido por Durand, como um sistema dinâmico que na forma de uma narrativa ordena esquemas, arquétipos e símbolos (1989:44). Mas como afirmei antes, para este autor a forma deste alinhamento diacrônico não está separada do seu fundo semântico, portanto os elementos constituitivos da narrativa não possuem um valor apenas posicional mas possuem uma densidade semântica, razão pela qual o mito nunca pode ser traduzido, pois, por estar formado por símbolos, contém seu próprio sentido. (Garagalza, 1990:93). Por esta razão, Durand (1993) propõe além da análise diacrônica e sincrônica como a que realiza Lévi-Strauss um terceiro nível de análise que chama de arquetípico ou simbólico, fazendo desta forma com que o mitema substitua os fonemas e morfemas. É que este autor entende que a estruturação da narrativa, o meio socio-histórico e o aparelho psíquico são inseparáveis. O que Durand chama de "leitura" é a reconstrução ou composição por parte do leitor (ou no nosso caso observador) de um relato simbólico, que não é outra coisa que um mito. Como o mito é o veículo do símbolo, e este é um acordo entre a subjetividade do indivíduo e a objetividade do meio, a obra de arte que sobrevive ao tempo é a que por sua estruturação (que é relativa aos esquemas e a própria diacronia narrativa, já que esta que organiza as sincronias) e a semanticidade (que é relativa aos arquétipos e símbolos) possibilita este constante acordo. É esta reconstrução ou composição, este acordo, que é vivência. E é nesta vivência que habita o conhecimento simbólico. Uma vivência que anula a distância espaço-temporal entre a obra e o leitor. Assim como Panikkar a relação a que faz referência Durand é de unidade entre obra e leitor(11) , pois é nesta junção que é possível a vivência dos conteúdos culturais e a satisfação das pulsões subjetivas. Por esta razão é que a mitocrítica parte da psicocrítica do autor. E por esta mesma razão é que justifica a insuficiência desta. Porque ao não existir distanciamento entre o leitor e a obra, o hermeneuta não pode reconhecer seu próprio mito, o que é também uma afirmação de Panikkar. Mas, para Durand, o mito do autor (mito pessoal) não é suficiente para romper os limites temporais e culturais e permitir que uma obra nascida em um contexto particular possa ser compreendida por um leitor separado cronologicamente por quinhentos ou mil anos. Somente se este mito pessoal (que Durand preferirá chamar de complexo pessoal) estiver "ancorado" em um mito primordial (embora sempre impregnado da herança cultural) a obra poderá romper os limites temporais e ser reconhecida como obra de arte. Durand entende que o mito atua como um "denominador comum" entre o instante irrepetível da criação e o presente do leitor. Como somente o que é passível de ser repetido pode ser transmitido, o mito já não é visto como um produto ou um efeito da história, e sim como algo que a antecede e sobre o qual a própria história se modela (Garagalza,1990:99) Agora bem, muito embora as colocações de Panikkar sobre o símbolo me pareça descrever mais a vivência experienciada pelo artista do que a do observador ou apreciador artístico, e as apresentadas por Durand mais bem a vivência deste último que do artista, o ponto importante para esta reflexão é que para ambos os autores a vivência e o mito são a única via de acesso possível para a compreensão do conteúdo numinoso da obra, logo do sagrado. As possíveis diferenças entre a vivência do artista e do observador desaparecem na medida em que todo o artista é observador permanecendo apenas nos casos em que o estudioso na sua condição de observador não tenha a vivência do fazer artístico. Mas para além deste relativismo o fundamental é a compreensão de que o conceito de vivência apresentado por estes autores diferencia-se do seu uso tradicional na filosofia ocidental. Para ambos os autores, mas em especial para Panikkar, a vivência logo o símbolo não nem está atrelada a uma intencionalidade, consequentemente não está subordinada a consciência racional, nem pode ser objeto para esta consciência. Por esta razão este autor prefere substituir o termo "consciência simbólica" por "experiência simbólica". Porque segundo afirma:
É a partir desta diferenciação
que cobrará importância o papel do mito como o único
discurso possível para a comunicação do sagrado.
Mas sobretudo é a partir deste conceito de vivência que se
responde a nossa pergunta inicial: Que conseqüências pode haver
para o estudo da arte seja na análise ou na realização
da obra se a raiz que define o objeto artístico é
a mesma que define o objeto simbólico no sentido que os eranistas
entendem que seja o símbolo? Em primeiro lugar vejamos no meu entender
a principal conseqüência na realização da obra.
Se a definição simbólica utilizada
por estes autores é aplicada ao estudo da arte e se consideramos
que todo o fazer é estudo, a verdadeira obra de arte é apenas
aquela na qual a numinosidade é vivenciada pelo artista, o que
implica não apenas participar do rito mas, e principalmente, crer
no mito. Mas de que mito estaríamos falando? Do mito do artista,
formado a partir do mito do herói por um processo cultural já
amplamente estudado, como revelam as obras de E.Kris e O.Kurz ou Eckhard
Neumann comentadas em meu artigo anterior já citado. Mas é
preciso ter-se em conta que apesar da falta de moral dos diversos heróis
mitológicos da cultura helênica berço da cultura
ocidental a ação heróica (que é afinal
das contas a razão de ser do heroísmo) tem sempre um sentido
positivo ou construtivo. Alícia Desvaux (en Verjat, 1989) recorda
que esta pode ser de natureza cosmogônica cuja função
é civilizadora, ou político-social conquistando mais espaço
e consequentemente melhores condições para o seu povo, ou
bem pode ser de natureza iniciática, servindo de intermediário
entre os humanos e os deuses através de uma sabedoria adquirida
por longas provas que é colocada ao serviço da comunidade.
Mas sempre, em qualquer caso, é uma ação que visa
a melhoria do social e não do individual. O reconhecimento dado
ao indivíduo é o prêmio que o social oferece por reconhecer
nas suas obras a intenção positiva do herói. Assim
pois, a verdadeira obra de arte seria apenas aquela na qual o artista
vivenciasse a experiência simbólica do heroísmo artístico
isto, mesmo nos casos em que não existia um objeto artístico.
Até 1916 a vivência da experiência simbólica
do heroísmo artístico estava indissociada de um fazer artesanal,
mas com o surgimento do dadaismo inaugura-se na história da arte
ocidental a vertente que permitiria a vivência da experiência
simbólica do heroísmo artístico apenas pela "idéia".
No entanto este conceito de "ser artista" apenas renuncia ao
papel histórico de fazer objetos sem negar o papel heróico
que o artista desempenha na sociedade. Ao contrário, esta vertente
acentua este papel uma vez que entende o artista unicamente como uma essência
metafísica. E é justamente este entendimento, que libera
o artista para que com seu toque de Midas transforme qualquer objeto em
arte, que demarca o gesto heróico. E isto se afirma porque naturalmente
não se pode esquecer que há um momento histórico
particular na Europa quando esta concepção artística
surge. É um gesto libertador que tem como objetivo ampliar o raio
de ação do gesto artístico com o objetivo claro de
modificar para melhor o homem, e consequentemente a sociedade. O objeto
artístico é portanto o gesto, e não a coisa objeto.
E isto se afirma porque a simples repetição do gesto de
apresentar objetos cotidianos como artísticos já não
caracteriza uma ação heróica. Teóricos como
Wolfang Drechsler afirmam que a vanguarda se transformou em tradição,
o que é certo. Porém o que caracteriza a heroicidade de
uma ação é a intenção que a motiva
e não a ação em si já que esta independente
de ser tradição ou não pode muito bem ser
mal intencionada, existindo logo a necessidade de algum critério
que a diferencie da ação heróica. Isto digo porque
como toda a tradição está carregada de elementos
míticos se poderia equivocadamente deduzir que a simples repetição
de gestos da tradição é suficiente para caracterizar
uma ação heróica, o que não é verdade.
Por outro lado, a sobrevivência cultural da concepção
que associa o artista a uma prática artesanal da obra não
garante que a prática seja efetivamente vivenciada em seu sentido
mais profundo. A vivência mítica (logo simbólica)
a que me refiro aqui, portanto, é a vivência de uma experiência
heróica cuja razão de ser é a de beneficiar o outro
e não simplesmente beneficiar-se terapêutica ou economicamente.
E é esta mesma percepção de carência do verdadeiro, do heróico, que sustenta implicitamente as análises que outro crítico de New York realiza. James Gardner recorda corretamente que a rebeldia do artista contra a ordem vigente é uma característica surgida apenas na Idade Moderna (Gardner não associa, mas é justamente quando o mito de Prometeu ressurge na Europa) que se perpetua até meados dos anos 60 deste século. Mas o aparente fim das grandes utopias revolucionárias permite também perceber uma dolorosa realidade:
Embora a postura "heróica" não seja hoje defendida, a falta desta aparece nas críticas de forma subliminar apontando de forma negativa, carente de sentido maior, como apenas mais uma estratégia de inserção mercadológica, tanto a rebeldia como a violência. Em cada época e lugar a história da arte nos permite ver o artista colocando ênfase em determinadas características míticas. O que hoje presenciamos na arte contemporânea é, em muitos casos, apenas a secularização destas características. A sua escolha como objeto de estudo do sagrado apenas se justifica se o estudo não se propõe de antemão a reverenciar o trabalho, mas também se necessário, a desmascará-lo. O desencanto exprimido por muitos críticos e estudiosos é a conseqüência natural de uma tomada de consciência de que aquelas "imagens" que simbolizavam a existência de Deus e consequentemente a imortalidade da alma já não o fazem. A numinosidade é inexistente. Revela a dor na consciência do vazio existencial desta sociedade, de sua solidão enquanto corpo. Como o grito inconformado de alguém que vê morrer a um ser querido, é o grito inconformado de quem vê a arte simbolicamente morrer ao diluir-se na esteticidade do cotidiano tecnológico. Durand sustenta que a estruturação temática e formal da obra são suficientes para a vivência da numinosidade já que, no caso das verdadeiras obras de arte, sua análise revela um mito oculto. E também afirma categoricamente que a vida do artista (autor) não importa na análise. Concordo plenamente com Durand neste sentido. O que me parece que falta é reconhecer que se bem o estudioso pode prescindir das informações sobre a vida real do autor para ter um desfrute estético não tem como prescindir das informações míticas sobre "o artista" (entendendo este como personagem cultural e não como o autor da obra), pois estas são as que dão sentido ao objeto artístico. Faço um paralelo sintético como o proposto por Pareyson muito mais conhecido pelos estudantes de artes do que Durand para exemplificar esta questão, que é importante não apenas porque o uso da biografia do artista seja um recurso constantemente utilizado nos estudos de arte, mas principalmente porque lança uma luz esclarecedora para compreender algumas críticas (com as quais concordo) feitas à arte contemporânea por sua incapacidade de apresentar-se como objeto numinoso mesmo quando este é o desejo manifesto do autor. Pareyson em uma visão hermenêutica diferente da hermenêutica simbólica de Eranos propõe para o estudioso da arte lançar mão de todos os recursos disponíveis. Para tal vale tanto ir da obra para a biografia como da biografia para a obra, sempre na busca de confirmações para o percebido. Literalmente afirma:
O argumento acima é coerente porém, de que atos da biografia se servirá o pesquisador para confirmar a descoberta já feita ou antecipar a que será feita? Se levamos em conta os trabalhos de E.Kris, OKurz e E. Neumann, teremos que reconhecer que é dos atos que se assemelhem aos atos míticos do heroísmo. Por esta razão concordo com Durand de que a vida do autor não serve como apoio para o estudo do sagrado. Porque sua importância não reside em serem dados "reais" e sim por sua semelhança ou adequação a dados "míticos". Por esta razão é que de não possuir estes dados o pesquisador não se encontra impossibilitado de reconhecer na obra sua numinosidade. E Pareyson é consciente de que a inexistência da biografia não impede o reconhecimento das qualidades artísticas. Esta consciência é que o leva a colocar ênfase das propriedades artísticas no processo de elaboração da obra que a própria obra conserva como registro. A "formatividade da obra" quando é arte, é sempre original, porque somente pode ser compreendida por suas leis formativas que são criadas no ato de fazer. O próprio Pareyson linhas antes deixa subentendido a natureza "misteriosa", quase mítica dos atos biográficos quando afirma (os grifos são meus):
Para Pareyson, a numinosidade da obra enquanto "criação original" é resultado da solução de um problema formal. A biografia aparece apenas como um recurso secundário de confirmação do que a formatividade da obra deixa transparecer, porém secundário ou não, a biografia comparece como um recurso sempre utilizado. O próprio Durand, como se viu, embora negue a biografia teoricamente a acolhe metodologicamente sempre que possível. É muito difícil evitar o uso da biografia porque através das semelhanças míticas ela ilumina a obra. Porém não é preciso recorrer a vida do autor para reconhecermos a vivência mítica. Se ela está efetivamente expressa na obra o problema reside em possuir uma metodologia que nos permita compreender os motivos pelos quais somos capazes de, desconhecendo os dados biográficos do autor, reconhecermos esta vivência na sua obra. Neste sentido é que a teoria que sustenta a mitocrítica de Durand pode ser útil pois ao contrário de outras abordagens as referências mitológicas são citadas pelo que realmente são, ou seja, como referências míticas. Quando em meu último artigo propus o mito do artista como uma via para escapar do reduto existencialista foi justamente porque os estudos biográficos são insuficientes para a compreensão da numinosidade do objeto artístico. Se a importância de recorrer a vida do artista reside em confirmar o mito (no caso da mitocrítica é identificar o complexo pessoal para posteriormente vinculá-lo a um mito), o que o estudioso deve fazer é ater-se ao significado mítico, pois é este que o olhar busca reconhecer na obra. Uma análise que se fixa na biografia destacando as características míticas sem anunciá-las como tal, está apenas mitificando o autor, ou atualizando a mitificação do artista servindo-se do discurso científico, que segundo Panikkar e Durand, também é mítico. Vida e obra são indissociáveis, e estou de acordo com isto. Porém é a obra que perpetua a vida com seu sentido e não o contrário. Estes discursos científicos se constituem constantemente com referências a vida do artista porque somente assim, ao (re)mitificar é que conseguem veicular com sentido o reconhecimento da numinosidade percebido na forma. Panikkar e Durand nos alertam: o único veículo do símbolo é o mito. Porém quando propus o mito do artista na tentativa de aplicação de uma mitocrítica às artes plásticas, não propus a interpretação da obra servindo-se do mito do artista como alguns entenderam. E por uma razão muito simples. A mitocrítica não é uma interpretação da obra, mas da dinâmica simbólica que em sua estruturação na obra permite que o interprete ao tomar contato vivencie significados transcendentais. A mitocrítica não é portanto uma análise formal embora sirva-se do formalismo. Mais bem é uma análise estrutural sem ser estruturalista. Se propõe a analisar as estruturas míticas. Isto fica claro quando Durand analisa o fracasso literário de Lucien Leuwen de Stendhal argumentando que o modelo de heroísmo do personagem contradiz as leis do gênero. Diz:
O interesse que a mitocrítica me desperta como artista reside justamente no fato de não propor-se como uma metodologia para a interpretação da obra. Este é seu mérito. Livre desta pretensão se propõe como um instrumento de estudo que não mitifica a obra como fazem algumas abordagens, mas ao revelar as estruturas míticas permite compreender as motivações e possíveis causas, para sua mitificação. Isto é muito importante hoje, porque como Panikkar recorda ao longo do seu texto na cultura ocidental há uma primazia do pensamento em ralação ao ser. Nossa cultura atribui mais valor a análise do ser do que o que o ser afirma sobre si mesmo. E poderia também dizer não sem criar polêmica que atribui mais valor as análises da obra de arte do que a própria obra, pois: não são estas análises que nas últimas duas décadas institucionalizam obras que os próprios especialistas em arte contemporânea reconhecem como incompreensíveis?(12) Concordo com Márcio Doctors (1990) quando em pequeno artigo sobre Van Gogh diz que a obra quanto mais mitificada mais verdadeira. Mas ressalto que é a obra que deve conter em sua formatividade a força para gerar sua mitificação pela coletividade e não apenas ver-se mitificada pela ação de um discurso que atua no seio das estruturas de poder. Não desejo sob nenhum aspecto negar a importância de uma compreensão dos fatos e das vinculações sociais que envolvem a obra. Tampouco pretendo menosprezar as análises históricas, psicológicas ou estéticas. Muito menos negar o valor e a importância do mito, que como os autores que estudo acredito ser um veículo pelo qual a cultura transmite profundas e importantes verdades. Mas tão simplesmente demarcar que o estudo acadêmico do simbólico não deve contribuir para a mitificação dos artistas e sim refletir sobre as causas pelas quais o sagrado é reconhecido em suas obras. Não deve empobrecer o valor do mito do artista ocultando-o com o mito do discurso científico, mas reconhecê-lo e considerá-lo em sua real importância cultural na construção da identidade artística e na elaboração e reconhecimento da obra de arte. Segundo Durand o reconhecimento e aceitação da ação do mito devolve a obra sua condição como documento histórico.
Esta é a razão pela qual a mitocrítica justifica poder aludir de maneira assintótica ao sagrado enquanto análise científica; porque revela o mito. Mas esta postura e sua conseqüente proposta metodológica só é possível porque o conceito de símbolo entende o sagrado como algo vivido verdadeiramente e intraduzível, pois toda a tentativa de tradução do símbolo implica em sua redução e descaracterização. A dificuldade de aplicação da mitocrítica nas artes plásticas reside na impossibilidade de reconstruir um mito determinado ao não haver uma estrutura narrativa para identificar os mitemas. Propus o mito do artista como alternativa em uma possível aplicação da mitocrítica em primeiro lugar porque é uma estrutura narrativa que atua na interpretação, como atestam as semelhanças entre os dados biográficos e os mitologemas do heroísmo artístico já tão bem estudados e presentes em diferentes análises históricas e estéticas. Em segundo lugar para evitar um possível reducionismo do artista a ser um recriador inconsciente de determinados personagens míticos, pois o mito do artista não está construído a partir do modelo de um ou outro personagem mitológico, mas como estes, a partir de uma estrutura muito mais profunda que é a que dá sentido a todas as imagens que a simbolizam, das quais o artista assim como qualquer dos heróis mitológicos com os quais o artista foi associado ao longo da história é apenas um simbolizante. A autonomia da obra em relação ao seu autor que Durand sustenta se solucionada em sua aplicação as artes plásticas me parece que oferece uma possibilidade mais operacional que outras de estudar e compreender a permanência do sagrado na arte contemporânea ou o fracasso de seu simulacro, porque os mitos aparecem como um contraponto objetivo para a análise formal e estrutural. Ao mesmo tempo, convida a uma reflexão no plano da prática da arte contemporânea que a própria crítica como se viu evidencia. De que a insatisfação com a arte contemporânea não é resultado apenas de uma crise formal de representação. Como toda a forma tem conteúdo, e tradicionalmente o conteúdo artístico é heróico, a negação das formas tradicionais de representação e suas secularizações acabaram por criar uma crise nas formas de representações destes conteúdos. A conseqüência foi a autonomia dos próprios conteúdos que liberados das formas serviram como objeto para a prática da negação transformada em tradição por parte dos artistas. Agora, se a raiz que define ao objeto artístico é a mesma que define o símbolo, tal como entendem Durand, Panikkar e outros eranistas, para "fazer arte" hoje, isto é, contemporânea, é preciso concordar com alguns críticos e não aceitar como artísticas ações ou obras que simplesmente neguem os valores tradicionais que caracterizaram a arte. Por onde se olhe, a aceitação destes conceitos nos leva a entender a arte contemporânea como um desafio: o desafio de solucionar um problema formal e estrutural de simbolização do numinoso. Formal devido ao desgaste produzido nas formas tradicionais pela própria dinâmica histórica da qual a arte é parte. E estrutural porque como diria Durand as "leis do gênero" são mais profundas do que simplesmente as aparências. Se a raiz que define ao objeto artístico é a mesma que define o símbolo tal como entendem estes autores, somos obrigados a concordar com alguns críticos e considerar como artísticas apenas aquelas obras que mesmo negando as formas e conteúdos tradicionais, sejam a busca de uma nova ação ou de uma nova imagem para a numinosidade e não tenham apenas como intenção a sua absorção pelo sistema de arte. Durand sustenta que a imaginação simbólica desempenha quatro funções importantíssimas sendo que uma delas é a do equilíbrio psicossocial. A função social da arte seria portanto a de existir como objeto numinoso. Maria Amélia Bulhões (1997) serve-se com elegância da frase A arte é um pensamento irreligioso do sagrado de Marc Le Bot para criar o título para um de seus artigos. Eu diria que seguindo o pensamento de Panikkar e Durand, a frase resultaria assim: a arte é uma vivência irreligiosa do sagrado. O desgarramento social da arte contemporânea grosso modo seria a conseqüência natural da sua ausência de numinosidade, ou da sua incapacidade estrutural e formal de fazer-se reconhecida como objeto numinoso pelo grande público não especializado! A história nos mostra que cada época teve um maior ou menor grau de rejeição à sua produção artística. Por isto creio que uma compreensão da permanência do sagrado na arte contemporânea não pode se limitar apenas em como analisamos o fenômeno na condição de teóricos, mas também em como procuramos enfrentá-lo na condição de artistas. A aceitação disto talvez reduzisse o impacto da teoria nos processos de reconhecimento institucional pois devolveria ao artista a responsabilidade pela expressão da numinosidade. A importância do conceito reside no fato de que a forma como pensamos um objeto de estudo o define. Estas são algumas das conseqüências que teria para o estudo do sagrado a utilização do conceito de símbolo defendido por Durand, Panikkar e outros estudiosos próximos ou afins ao Círculo de Eranos. Talvez a raiz do que define o objeto artístico não seja a mesma que define o símbolo como entendem estes autores... mas, se for? Notas 1 Ainda que Panikkar não seja um autor vinculado diretamente ao Círculo de Eranos, e devido a semelhança de suas posições com as adotadas pelos eranistas, este texto integra a edição espanhola dos cadernos de Eranos, que foi organizada por Andres Ortiz-Osés, e outros trabalhos de Panikkar são referências comuns para os pesquisadores do assunto. 2 Gilbert Durand, discípulo continuador de Gaston Bachelard é um dos máximos expoentes do Círculo de Eranos. Uma introdução a este assunto é apresentada em meu artigo anterior incluído no livro "As questões do sagrado na arte contemporânea da América Latina", editado em 1997 pelo Programa de pós-graduação de I.A. da UFRGS, tendo como organizadoras as professoras Maria Amélia Bulhões e Maria Lúcia Kern. Ver bibliografia. 3 Terminologia grega recuperada por Husserl que define
o "sentido" da experiência que aparece a consciência
intencional. 5 A numinosidade pode ser compreendida como a consciência
de um mistério que ao mesmo tempo inspira temor e admiração,
consciência esta que Rudolf Otto (1992) considerava como a base
da experiência religiosa da humanidade. O "numinoso" não
é moral, embora os enunciados morais possam estar contidos neste
sem que sejam incompatíveis. É definido como uma categoria
especial de interpretação e de avaliação,
bem como um estado de alma que não é passível de
definição "no sentido da palavra, mas somente do exame".
A sua compreensão é problemática pelo fato de que
nos servimos de analogias do mundo natural. Segundo Otto, para compreendê-lo
é necessário conduzir o ouvinte ou observador, a que se
dirija a ele através de sua intimidade. É portanto vivência.
O numinoso alude ao sagrado no seu sentido original, definido pelas palavras
Qadoch, Hagios, Sanctus ou Sacer. Segundo Otto, a "numinosidade"
de um objeto, ou "objeto que seja numinoso em si mesmo", não
pode ser compreendido através de conceitos, mas sim observando
"a reação de sentimento particular que o seu contato
em nós provoca". Rudolf Otto junto com Olga Fröbe-Kaptein
é um dos fundadores do Círculo de Eranos, sendo sua a sugestão
para o nome Eranos que significa "comida em comum". 8 A teoria do trajeto antropológico apresentada
por Durand em "As Estruturas Antropológicas do Imaginário"
é, como o próprio autor reconhece, um aprofundamento de
teorias que encontram-se implicitamente formuladas tanto por G. Bachelard
como por R. Bastide. 10 Durand embora reconheça uma semelhança, em certa medida desmarca-se da definição de arquétipo dada por Jung por não aderir ao que chama de "crença em sedimentos mnésicos" acumulados no decurso da filogênese. 1989:43) 11 Para Durand esta unidade é possível porque a vivência e a da imaginação em um tempo mítico e esta, perpetua-se para além de um tempo existencial. (1989:272,273) 12 Nos referimos a esta questão em nosso artigo na revista Porto Alegre N. 8. Ed. UFRGS. 1993. BULHÕES, M.ª A.&KERN, M.ª L. (Org).
As questões do sagrado na arte contemporânea da América
Latina. Porto Alegre: UFRGS, 1997
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