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Arte e tecnologia a serviço do universo infanto-juvenil: relato de pesquisa


Dr. Antonio Vargas


Palavras chaves
· artes plásticas
· informática
· net-art

Resumo

O texto apresenta sinteticamente as motivações e a metodologia utilizada em uma pesquisa realizada no Centro de Artes da UDESC, visando a criação de um CDROM educativo destinado ao público infanto-juvenil. A partir de algumas considerações sobre as dificuldades encontradas pela falta de financiamento e a solução proposta, o autor tece uma reflexão sobre o processo formador do artista universitário.



Motivações e objetivos


Durante o ano de 1999 iniciei um projeto de pesquisa para realização de um CDROM educativo voltado para o público infanto-juvenil. Três foram as motivações básicas para idealizar um projeto desta natureza: a primeira , a necessidade de conhecer e dominar as principais ferramentas informáticas para poder orientar alunos cuja poética visual é realizada em ambiente informático. A segunda, a percepção após pesquisa, de uma ausência de trabalhos realizados com ferramentas informáticas destinados a um público infantil ou infanto-juvenil. Naturalmente, fala-se aqui, de trabalhos realizados no âmbito acadêmico, por profissionais da área de artes plásticas. De sobra há, no mercado, games e histórias interativas destinados a este público, porém a própria qualidade das imagens desta produção – questionável em boa parte - foi, e é, um motivador para a realização deste projeto no âmbito universitário. Há, por outro lado, um número crescente de estudantes e pesquisadores que estão desenvolvendo suas poéticas em ambientes informáticos, mas não me arriscaria a afirmar que o público alvo destas obras possa ser o público infanto-juvenil, uma vez que estes trabalhos referenciam-se em um universo visual e conceptual distante do universo pertencente a faixa etária que aqui nos ocupa. E a terceira é a percepção de pouco espaço no currículo acadêmico do estudante de artes plásticas, para o desenvolvimento da linguagem artística dos comics e da ilustração em geral. Lamentavelmente no Brasil não dispomos de muitos espaços conceituados onde o estudante possa pesquisar e aprofundar-se nestas linguagens. No ambiente acadêmico dos bacharelados em artes plásticas, estes "traços" acabam tendo que acomodar-se nas disciplinas de pintura, desenho ou gravura, mas sempre subordinados a uma justificativa teórica que, no espaço de veiculação adequado seria, não dispensável, mas de outra natureza histórica não abordada pelos conteúdos de história da arte das nossas academias. Nestas circunstâncias, a linguagem dos comics e da ilustração, geralmente, recebem pouca atenção, nenhuma orientação e uma valoração secundária quando não depreciativa. Porém, curiosamente, o mercado de trabalho para estes tipos de atividades, legitimamente artísticas, é muito mais amplo que o mercado de arte representado por pinturas, gravuras, esculturas e afins, o que não deixa de ser uma lacuna profissional no currículo acadêmico. Afirmo isto, por saber que uma parte majoritária dos estudantes que entram nos cursos de bacharelado em artes plásticas tendem a vê-los - com uma óptica limitada - não como uma área de conhecimento e sim unicamente como formadores de artistas de galerias. Consciente deste fato e, em especial, por possuir um grupo de alunos cujos referenciais artísticos e conceituais se oriunda no universo dos comics é que propus como pesquisa a criação de um jogo, apoiado em um texto literário, que permitisse ao usuário jogar a história, e não simplesmente lê-la. Originalmente, o jogo seria construído com diversas possibilidades aparentes mas, apenas com um caminho "correto", o que recriasse o narrativa do texto. Posteriormente, passamos a conceber o jogo com um número limitado de possibilidades válidas, definidas pelas escolhas dos personagens. Assim, conforme o personagem escolhido para jogar o usuário chegaria ao mesmo final, mas passando por diferentes caminhos, que expressariam a visão que cada personagem possuía da situação vivida. Finalmente optamos por possibilitar que o jogador pudesse trocar de personagens ao longo da história, utilizando-os de acordo com as suas qualidades e características afim de melhor atingir os objetivos propostos pela narrativa.

 

 

Metodologia


Os alunos envolvidos (1), assim como eu, não possuíam conhecimentos maiores de informática. Fez-se necessário, portanto, um treinamento autodidata no uso dos principais softwares de tratamento e edição de imagens. Programas como Adobe Photoshop, Corel Draw, Gif Animator, Flash, Multimídia Fusion, Dreamweaver, Front Page, Fireworks, apenas para citar os mais os mais freqüentemente utilizados, foram largamente estudados durante um ano e hoje são de domínio comum da equipe pesquisadora.

Ao determinarmos como prioridade a qualidade visual da imagem e sua capacidade de sedução , evidenciamos um conceito de educação artística: o de que a imagem se constrói a partir da imagem. Mas, ao aliarmos esta imagem ao estímulo de uma narrativa voltada ao universo de interesse do público alvo, ou seja, infanto-juvenil, nos afastamos daquelas ações mais conservadoras que limitam a educação visual do jovem ao universo das imagens contidas nos museus e nas grandes exposições, por entender não que estas pedagogias sejam inadequadas, mas sim insuficientes. Com isto se pretende auxiliar na expansão da percepção visual, oferecendo-se uma ferramenta que pode ser utilizada pelo professor de artes. A narrativa, oculta nas interfaces, atua como um estímulo para que o jovem se detenha frente a imagem, e esta como um instrumento que lhe estimula a ver, a linha do desenho, a aguada e a mancha, a pincelada, o claro-escuro, a composição. Para a construção desta narrativa foi convidada Luana von Linsingen, uma jovem autora de literatura infanto-juvenil.

A criação das imagens dos ambientes segue três momentos. O de sua concepção a partir de um storyboard . O de sua confecção em métodos tradicionais de desenho e pintura. E finalmente, no seu tratamento em diferentes softwares . Posteriormente, os personagens são criados e animados de acordo com o roteiro, para permitir nas ocasiões em que isto é previsto, a exibição de movimentos que enriqueçam a interface. Uma vez concluídos, ambientes e personagens animados são editados em Macromédia Flash 5. Ao início do projeto chegamos a realizar uma edição com o software Multimídia Fusion , porém os resultados foram considerados insatisfatórios, pois o software apresentou inúmeros problemas entre imagens e textos escritos.

 

Ambientes do jogo

Personagens

 


Andamento atual, dificuldades encontradas e soluções atrevidas

A realização de um projeto desta natureza pode constituir-se em um formidável instrumento de aprendizado para os alunos envolvidos. Questões normalmente distantes do currículo tradicional dos bacharelados e licenciaturas em artes plásticas, ou abordadas superficialmente, são tratadas a fundo. Discussões sobre fronteiras entre a simples ilustração e a obra de arte, entre real e virtual, entre mercado e criação autônoma, entre originalidade e cópia, entre individualidade e coletividade se realizam em meio a decisões de equipe que determinam etapas, compromissos e responsabilidades. Soma-se a isto, um rico aprendizado no manejo de diversos softwares de tratamento e edição de imagens que complementam a formação do aluno. De fato, dois dos quatro alunos envolvidos no projeto, desenvolvem hoje seu trabalho pessoal de poética visual utilizando-se destas ferramentas. Porém, a realização de um projeto desta natureza exige hardwares singulares, tais como, processadores velozes com grande capacidade em Disco rígido e memória RAM , gravadores de CDROM, scanners, monitores de grande dimensões e alta definição. Placas de vídeo e som de primeira qualidade. Exige também a aquisição de um grande número de softwares específicos, como os já acima citados. Tudo isto, naturalmente, depende elevados recursos que podem vir da iniciativa privada ou institucional. Em média, a criação de um game por uma empresa particular especializada consome cerca de dois anos de trabalho, um grupo grande de profissionais, e um custo aproximado de 10 milhões de dólares. Fala-se, naturalmente, de jogos realizados com recursos de última geração tecnológica. No caso deste projeto previu-se recursos oriundos de uma fonte institucional. Porém, a UDESC, embora possua variados laboratórios de informática, não possui disponível em nenhum deles equipamentos com as exigências necessárias. O cancelamento temporário dos recursos destinados ao Fundo de Apoio a Pesquisa, inicialmente previsto, inviabilizou a aquisição do número de equipamentos necessários. No primeiro ano de trabalho, a equipe realizou o trabalho com apenas um equipamento adquirido por mim. Isto não impediu que continuassemos a realizar o projeto, mas alterou radicalmente o cronograma e pode inviabilizar sua continuação de forma institucional, uma vez que alguns dos alunos de graduação envolvidos findam o curso possivelmente antes da conclusão de todo o projeto. Porém, o desejo destes mesmos alunos de concluí-lo ainda que fora das instancias acadêmicas, demonstra no meu entendimento, o grau de envolvimento e satisfação produzidos. O desejo coletivo, é sua conclusão e lançamento no mercado. Será isto possível? Creio que sim, pela solução encontrada.

O financiamento de projetos de pesquisa no âmbito acadêmico passa atualmente por uma séria discussão, que pode reduzir os centros universitários que ainda não se constituíram em centros de referencia, em simples retransmissores dos conhecimentos gerados em ambientes com condições privilegiadas para a pesquisa. A luta por escassos recursos federais que beneficia áreas e centros de excelência, aliada a incompetências governamentais na geração de recursos estaduais para ampliar o fomento a pesquisa, como é o caso da UDESC de Santa Catarina , não tem permitido a concessão de bolsas para todos os alunos envolvidos em projetos de pesquisa, nem recursos mínimos para o desenvolvimento destes projetos.

No caso deste projeto, porém, estas dificuldades contribuíram para uma solução atrevida. O conhecimento em informática adquirido no período, somado a formação artística especializada que recebem no curso colocou os alunos em condições privilegiadas frente ao mercado de trabalho onde o comércio on-line e o universo da www, só tende a se expandir. Após seis meses de estudos intensivos, e outros de criação da abertura do jogo,os alunos envolvidos estavam capacitados a desenvolverem inúmeras tarefas tais como: criação de home-pages, de banners, de animações. Porque limitar o uso deste conhecimento ao projeto, se este não possui os recursos plenos para o sua concretização?

Pensando nisso orientei aos alunos que não haviam sido contemplados com bolsas, que criassem uma empresa virtual dedicada a criação e veiculação de imagens artísticas, a realização de trabalhos multimídias, de CDs publicitários, de banners e de home-pages artísticas. Desta forma, criava-se assim duas perspectivas: a primeira de geração de um espaço concreto e próprio de trabalho. Espaço este, aberto a colaboração e posterior absorção dos outros alunos, uma vez concluídas as bolsas. A segunda, de geração de recursos e condições para a conclusão do projeto pelos próprios alunos, ou seja, de comercialização pela empresa por eles criada. Nasceu assim a empresa Casthalia Digital Art Studio, localizada na rede no endereço www.casthalia.com.br .Como padrinho que sou, em paralelo ao desenvolvimento do projeto de pesquisa, neste período tenho orientado o direcionamento da empresa. Com seis meses de vida, Casthalia tem permitido aos alunos um crescimento profissional muito maior que o que poderiam obter limitando-se ao projeto. Tem coberto seus próprios custos de manutenção (contador, equipamentos,etc) e gerado lucros, que embora modestos tem alicerçado novos projetos, mas principalmente, alimentado sonhos. Casthalia além de veicular e disponibilizar imagens feitas pelos integrantes e colaboradores interessados, possui também um excelente guia de busca em arte, com links para webarte, revistas especializadas, museus, galerias além de diversas home-pages de artistas. Possui também uma secção de notícias de arte contemporânea. E pela visitação, crescente, ao que tudo indica, consolida-se como uma referência entre as empresas especializadas do setor.

Como a conclusão do jogo exige maiores recursos materiais e humanos, optamos por realizar uma versão impressa, destinada a um público infantil. A autora adaptou o texto, modificaram-se os ambientes, redesenharam-se os personagens. Criou-se uma diagramação. E o resultado já obteve o interesse de editoras. Desta forma, a comercialização do livro gerará recursos que serão aplicados pelos alunos na concretização do jogo. Mas também, abre novas perspectivas para a empresa dos alunos.


Capa da versão para livro

 

A experiência docente tem me mostrado que o aluno ao entrar na universidade carrega consigo não apenas o sonho de ser um artista reconhecido, mas também, a expectativa de viver desta profissão. Carrega o desejo de compartilhar uma casa, um amor, de ter filhos, e usufruir os confortos que a vida contemporânea oferece. Estas expectativas freqüentemente são frustradas quando o aluno limita sua vida profissional a comercialização de sua poética visual. Isto, sabemos, que se deve a limitação do mercado artístico, pouco consumidor se comparado a EEUU ou a Europa comunitária. Mesmo os melhores alunos necessitam durante longos anos, quando não possuem um apoio familiar, desenvolverem outras atividades mais, ou menos, vinculadas ao universo artístico para conseguirem as condições mínimas necessárias que permitam viverem e continuarem desenvolvendo seu trabalho de arte. Isto até obterem uma consolidação no mercado, o que na maioria dos casos, ainda assim é insuficiente economicamente. Sabemos também, que as perspectivas futuras não apontam para um crescimento do emprego tradicional, isto é, com vínculos a uma empresa e com suas coberturas tradicionais. O futuro, ao que apontam muitos analistas, é bastante solitário. Prevê o crescimento da prestação de serviços, com os encargos a custa do próprio prestador. Isto é, um futuro com cada vez mais autônomos e cada vez menos empregados. Um mercado falsamente estimulado pela competitividade profissional e verdadeiramente pelo medo ao desamparo social . Contemplar esta realidade não é apenas obrigação do currículo acadêmico, é também a única forma de auxiliar na transformação destas perspectivas.
O projeto de criação de um CDROM destinado ao público infanto-juvenil não concluiu. As perspectivas de concluí-lo no âmbito acadêmico com as atuais condições de financiamento não são alentadoras. Mas o projeto, no meu entendimento, pela derivação produzida - a criação da empresa por parte dos alunos - já tem seus principais objetivos não apenas atingidos, como superados. Criou uma perspectiva profissional. Estes alunos, ao se formarem, não estarão abandonados a incerteza. Possuirão um alicerce sólido para fundarem seus sonhos. Mas o mais importante, é que este alicerce foram eles próprios que construíram, e o fizeram a partir dos conhecimentos e possibilidade que obtiveram na vida acadêmica.

 

Notas

1 Diego Rayck, Albert Gunther, Aline Dias (graduação) e Ana B.Bahia (pós-graduação)
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Antonio Vargas: Artista Plástico e Doutor em Artes pela Univrsidad Complutense de Madrid, Pós-doutorado pela Universitat de Barcelona.


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