quase ____ todos ___ os ___ sentidos ___ da

coisa: _______ ruídos _____ do ____ branco I

 

Raquel Stolf

 

Resumo: O presente texto constitui uma reflexão
sobre a proposição artística de minha autoria,
intitulada LISTA DE COISAS BRANCAS - COISAS
QUE PODEM SER, QUE PARECEM OU QUE ERAM
BRANCAS. Propõe-se intersectar a proposição
enfocada com pensamentos de outros autores,
tendo como ponto de partida questões suscitadas
pela própria proposição, como os trânsitos
do branco ao em branco ao deu o branco.

 

 

Palavra também é coisa - coisa volátil que eu pego no ar com a boca quando falo. II E cada coisa que me ocorra, eu anoto para fixá-la. III Porque a coisa sempre escapa na Pausa agitada de uma coisa não ser outra. IV

 


LISTA DE COISAS BRANCAS - COISAS QUE PODEM SER, QUE PARECEM OU QUE ERAM BRANCAS consiste numa listagem de coisas brancas, aberta a infinitas e descontínuas inserções, sendo instalada diretamente no espaço do mundo comum.

Inicialmente, LISTA DE COISAS BRANCAS surge enquanto escritura, listagem no papel (página de minha agenda) em abril de 2000, desdobrando-se em cinco versões/apresentações: em forma de poema no papel (texto que pode ser publicado em diferentes meios: jornais, revistas, livros V), na forma de livro de artista (trabalho em processo: livro-listra que se abre/desdobra em aproximadamente 60 metros, com as palavras brancas numa única linha), em forma de som/ruído (coisas brancas faladas em 'linha' e coisas brancas sobrepostas - branco sobre branco 384 vezes - e outras experiências de sobreposições), em forma de fotografias (em processo: fotografar coisas brancas como tempo que não passa e outras passagens) e enquanto instalação: onde a lista de palavras foi feita em letras adesivas brancas de três centímetros de altura, sendo colada diretamente no espaço, em linha, em alturas diferenciadas (paredes brancas, teto, janelas,etc.).

A versão da LISTA DE COISAS BRANCAS que será diretamente analisada no presente texto é a versão enquanto instalação VI, que compartilha reflexões com a versão em forma de poema no papel e que pode incorporar a versão em forma de som/ruído VII . A primeira montagem da LISTA foi feita no espaço-tempo de meu apartamento VIII , onde as linhas de palavras-coisas brancas percorreram as paredes da sala, quarto, corredores, teto da cozinha e vidros das janelas. Abaixo, apresento algumas imagens da LISTA DE COISAS BRANCAS em diferentes montagens, bem como o texto integral que compõe o trabalho IX:

 

Instalação feita em meu apartamento, em março de 2001. Detalhes: janelas da sala e quarto (abertas).
 
Instalação ocorrida no Torreão, em julho-agosto de 2002 em Porto Alegre durante a intervenção individual ruídos do branco. Nessa montagem, a LISTA desdobrou-se em texto e som simultaneamente. Detalhes: corrimão da escada da entrada (3), parede branca (4), chão (5) e detalhe de janela (6).

 


LISTA DE COISAS BRANCAS - COISAS QUE PODEM SER, QUE PARECEM OU QUE ERAM BRANCAS

arroz. açúcar. nuvem. sal. isopor. caderno novo. tontura. neve. pérola. céu nublado. sussurro. borracha de apagar. concha. minha geladeira. cabelo branco. vermes. pasta dental. eco. naftalina. dia de sol forte na praia. ovos. morte. tinta de parede. vômito. guarda-pó. cocaína. maionese. roupa de médico e dentista. larva de inseto. dados. pasta d'água. ramela. papel. nervo. página. palmito. branco do olho. máscara para pó. quando se esquece de repente. mingau de aveia. dor de cabeça. melão aberto. tempo que não passa. papel toalha. dentro do pequi. sabão de côco. caneta quando falha. vôo. pedriscos de aquário. farinha de trigo. alho. dentro da barata. polpa de fruta-do-conde. franqueza. ossos. quase no fim de alguma coisa. metade da zebra. pelicano. glândula parótida. anseio. sofá. barba. arrepio. miolo de pão branco. sêmen. dentro da semente da fruta. esqueleto. rabo de macaco comodo. guardanapo. couve-flor. insônia. sulfato de bário. cimento branco. iceberg. dentro da maçã. falha. travesseiro. gaivota adulta. urso polar. máquina de lavar roupa. dentro da jabuticaba. magia branca. forno microondas. leveza. roupa de lutador de sumô. torre de marfim. entre a polpa da laranja e a casca. cabra-das-neves. flor da figueira-do-inferno. cegueira segundo saramago. quando a unha cresce. papel higiênico. leite. neblina. pus. dentro do travesseiro de penas. faixa de pedestres. saudade. instante antes do desmaio. saco de leite tipo a, b e c. ovos de siba. legenda de filme. shampoo. varinha de condão. plâncton. cano de esgoto. farinha de mandioca. pólo sul. mosquiteiro. nudez. copo plástico descartável. interruptor de luz. glândula mamária. cursor. talo de couve-chinesa. desejo. lacre do vidro de requeijão. pólo norte. borboleta. bola de golfe. gás lacrimogêneo. elefante branco. buda. barriga de pingüim. chuvisco de tv fora do ar. flor de heléboro. creme para cabelo. atrás da foto. algodão. paz. secreção nasal. vestido de noiva. pele de quem não toma sol. fumaça de cigarro. sabonete. chocolate branco. ovo de piolho. creme para espinhas. flocos de arroz. talco. bolor de pão. iglu. caspa. flash. nabo. areia da praia. cheque em branco. dente de leite. prédios públicos. leite de magnésia. filhote de urubu. gaze. avião. flor de feijão. coruja-das-neves. dunas. substância gelatinosa de ovos de rã. mancha de água sanitária. bolo de noiva. pó com antraz. glândula sublingual. deserto. cal. gato branco. pensar demais. protetor solar. espaço entre as linhas escritas. prato de porcelana. horizonte. requeijão. fantasma. gordura vegetal hidrogenada. lençol de hospital. coelhos. salada de repolho cru. saponáceo. luz. nosso carro. estrelas. animais albinos. carneiros. banana descascada. piso do meu banheiro. hóstia. diamante. envelope. espuma de sabão em pó. lua vista da terra. dentro do grão de feijão. sacola plástica de supermercado. cerdas da escova de lavar o vaso sanitário. molho branco. cérebro. sol. manjar de côco. pessoa pálida. parede. comprimido. minha máquina de costura. broto de pinhão. lenço. carne do peixe. atadura. meia soquete. gelo seco. gesso. garça. sagu cru. carne da lagosta. balinha de 2 calorias. felicidade inesperada. saco de algodão. computador quando trava. cadarço de tênis. bola de pingue-pongue. leite materno. cocada. pano de louça. mármore. vela. galinha. poodle. túmulo. anemia. suspiro. filhote de foca. clara em neve. papel fotográfico antes de ser velado. queijo derretido. dente. pomada para assadura. vinho branco. vapor d' água. ricota. lâmpada fluorescente. rato branco. leucócitos. ruído. bocejo. gêiser. ovos de tarântula. nata. marfim. camisa-de-força. filhote de fragata. álbum branco dos beatles. bolo de queijo. surdez. rabanete descascado. ser o primeiro da fila do banco. esparadrapo. goiaba branca. filhote de águia. fralda descartável. pausa em gravação. ficar de cama. pipoca. gueroba. veneno para pulga. igualdade. flor de cicuta. fita virgem. xícara de porcelana. ovelhas. coisa nova. coisa usada. pedaços da bola de futebol. falta de cálcio. cegonha. vulto. eco. bicarbonato de sódio. vela de barco. absorvente feminino interno e externo. ovos de codorna cozidos. camiseta branca. espuma do mar. doce de polvilho. linho. fim. cavalo. corretivo. camisa de garçom. placa de pvc. fita virgem. champignon. micose. respiração congelada. fundilho de calcinha. ouro branco. alcatraz. flor do café. susto. galinha-da-neve no inverno. etiqueta de roupa. lulu da pomerânia. crânio no encefalograma. ficar sozinha em casa. peça de dominó sem pontos. relâmpago. possibilidade. unicórnio. broto de feijão. ambulância. minha lixeira da cozinha. pétala de margarida. fim de madrugada. cartilagem. rendas. cálcio. tule. zero. coador de café. couro cabeludo. adoçante. cola branca. passagem para outro mundo. filhote de atobá. miolo do côco. múmia. vitiligo. fundo do relógio. raposa-do-ártico. falsidade. gordura de mortadela. casulo de bicho-da-seda. saliva seca. peruca de juiz. amnésia alcoólica. fio de luz. impossibilidade. paina. buraco branco. burburinho. fralda de tecido. palha de milho seca. tudo. nada. raiz de fio de cabelo. filtro de cigarro. faixa branca. teia de aranha. via láctea. filtro de café. passe-partout. começo. fio dental. tubarão branco. cambraia. cola em bastão. alpes. tampa de canetinha. cisne. creme hidratante. fita veda-rosca. vácuo. carta branca. desbotado. casca do ovo de jacaré. bola de vôlei. barriga de arminho. espirro. fundo dos buracos negros. toalha de banho. arroz doce. roupa de pai-de-santo. pétalas de narciso. espuma da cerveja. teclas brancas do piano. listras do uniforme escolar. casulo de borboleta. pedra calcedônia. roupa para ano-novo. bactéria schizophyta. dentro da concha. glândula submandibular. vaso sanitário. seiva da planta pau pelado. espinha de peixe. pó de arroz. velocidade. relógio parado. kimono. saquinho de chá. lírio. espuma de raiva. mosca branca. penugem na roupa. erro de encadernador. jasmim. avalanche. toalha de mesa. samoieda. anã branca. lebre-do-ártico. aspirina adulta. flor copo-de-leite. dia frio com sol. cana-de-açúcar. avental. barata branca. canjica. antúrio indiano. carneiro das montanhas. roll-on do desodorante. veneno para pulga. flor de nenúfar branco. soluço. céu com chuva. massa corrida. etiquetas. silêncio. sono. reflexo. cebola crua. medo. gelo. giz. comida mofada. bandeira branca.

Conviver com as palavras-coisas brancas em meu entorno, na primeira montagem, foi um tanto inquietante, acionando-se tanto uma espécie de cobrança - o que foi que esqueci?-, como a incessante lembrança de alguma coisa que não foi listada. Deste modo, a partir do processo de criação e da vivência cotidiana do trabalho algumas questões são acionadas, suscitando referenciais teóricos e artísticos.

O fato de ser uma lista é um dado importante, sendo que listar é uma atividade presente em meu cotidiano. Costumo fazer lista de livros, lista de compras, lista de coisas a fazer, lista de coisas a resolver, lista de presentes, lista de itens numa apresentação, etc. Sobretudo, listar implica algumas ações: organizar, lembrar, juntar, ordenar, colecionar, construir, acumular. Mas, em que uma LISTA DE COISAS BRANCAS - COISAS QUE PODEM SER, QUE PARECEM OU QUE ERAM BRANCAS se diferencia das listas comuns, ou melhor, o que caracteriza essa lista especificamente, enquanto proposição artística?

Em primeiro lugar, esta listagem (coleção, junção, ordenação, coleção, construção) possui um aspecto rizomático, compartilhando características do conceito de rizoma proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari X . Para os autores, o rizoma é uma antigenealogia e uma antigenealogia significa que não existem nexos associativos entre uma coisa e outra, juntando-se coisas diferenciadas. O rizoma implica uma memória curta ou uma antimemória, pois procede por variação, expansão, captura, picada. Escrever uma lista é escrever curtamente, juntando incompossíveis - elementos/coisas díspares - num plano rizomático e não arborescente, no sentido de não seguir uma hierarquia, ordem, procedência por linhagem, gerações ou antepassados. Tal característica é amplificada pelo uso de pontos finais após cada palavra-coisa branca, insinuando lacônicas pausas, rápidos mas efetivos intervalos que separam uma coisa de outra. Ou ainda, os pontos finais efetuam uma certa visibilidade para cada palavra-coisa branca, na medida em que a leitura pausada considera individualmente cada item. A LISTA não possui um centro, um ponto de origem ou descendentes, ao contrário, captura-se nomes de coisas brancas misturando-os sem ordem, grau de parentesco, sendo que qualquer coisa branca pode ser encostada em outra coisa branca sem nenhum problema, convivendo/coexistindo o macro e o micro, o subjetivo e o coletivo, o agradável e o desagradável, o concreto e o abstrato. O rizoma pode ser quebrado em qualquer lugar, onde qualquer ponto se conecta a outro sem começo nem fim, caracterizando-se pela heterogeneidade, descontinuidade, ruptura e multiplicidade, características que pulsam na LISTA DE COISAS BRANCAS, sobretudo quando ela é escrita diretamente no espaço do mundo.

Antes de abordar diretamente a questão da LISTA enquanto instalação gostaria de referenciar o escritor brasileiro Fernando Sabino, que também possui uma atração pela construção de listas:

Quando não há nada melhor a fazer, faço as minhas listas. Listas de tudo: das pessoas mais simpáticas que conheço, ou das mais chatas; dos livros que gostaria de já ter lido; dos melhores filmes que já vi; dos maiores músicos de jazz (...); das marcas de cigarro que já fumei; das estrelas de cinema da minha especial admiração. XI

No conto As pequenas coisas, o escritor concatena uma lista das pequenas coisas que mais o desagradam e uma lista das pequenas coisas que mais o agradam, arquitetando não mais listas comuns, mas listas rizomáticas. Eis alguns fragmentos dessas listas:

[lista das pequenas coisas que mais o desagradam] A palavra "idiossincrasia". Compromissos marcados com mais de quatro horas de antecedência. Visita de mais de duas pessoas. Tampa de pasta de dentes. Responder cartas. (...) Compra a prestação. Retirar gelo das fôrmas da geladeira. Esperar o que quer que seja, até mesmo pagamento. Travesseiro de espuma. (...) Ópera. Troco que empregada traz da feira, todo embolado e com várias moedinhas. (...) Banheiros em cor. Poltrona sem braços. Salas de espera. Vento. Bicho que voa, com exceção de passarinho. Colar selo em carta. Escrever. Arma de fogo. Ler originais. Qualquer negócio de compra e venda. Cortar unha, principalmente as do pé. Buzina. Luz fluorescente. (...) Discussão. Copo de plástico. A frase "você está se lembrando de mim?". Óculos escuros. (...) Sapato novo. (...) Banho frio. XII
[lista das pequenas coisas que mais o agradam] Dia de chuva sem precisar sair de casa. Bater a mão na estante exatamente em cima do livro que estávamos com preguiça de procurar. O momento em que o avião toca o solo e se transforma em automóvel. (...) Ir à cozinha e descobrir que haverá pastéis no jantar, comer imediatamente um ou dois. Carta que não exige resposta. (...) Mudar os móveis de lugar, descobrindo uma arrumação muito melhor. (...) Banco de praça ao cair da tarde. Balança de farmácia que nos dá uns quilos a menos. Igreja vazia. Pagar a última prestação. Quarto de hotel, à noite, quando se chega cansado da rua, cama arrumada e a colcha puxada em diagonal. Ler revista velha no banheiro. XIII

LISTA DE COISAS BRANCAS possui uma construção semelhante às listas de Sabino, compartilhando o aspecto rizomático nos saltos entre uma coisa e outra, na coexistência de coisas díspares, na descontinuidade entre tais coisas heterogêneas e, sobretudo, na forma de construir os intervalos através de pontos finais, que concatenam pequenas respirações na escritura, franzinos vazios em meio ao acúmulo de sentidos. Entretanto, nas listas de Sabino predominam situações compridas, enquanto que em LISTA DE COISAS BRANCAS as situações e coisas são curtas, concisas e talvez até mais rizomáticas, na medida em que pulsam rapidamente e, sobretudo, porque coisas agradáveis encontram-se embaralhadas com coisas desagradáveis.

Entretanto, quando a LISTA é descolada do papel e escrita diretamente no espaço do mundo, sua concisão parece se esparramar num espaço liso XIV (ou é a LISTA que alisa o espaço?), tornando sua leitura algo escorregadio e descontínuo. No livro Todos os nomes, José Saramago sublinha uma questão que parece coincidir com a dispersão da LISTA no espaço XV. Sobre a questão da coleção e de sua inevitável dispersão, Saramago tece observações muito importantes para a presente investigação:

Pessoas assim, como este Sr José, (...) ocupam o seu tempo ou o tempo que crêem sobejar-lhes da vida a juntar selos, moedas, (...) bilhetes-postais, caixas de fósforos, livros, relógios, (...) autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refrescos, anjinhos, cactos, isqueiros, canetas, (...) garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, (...) brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem suportar a idéia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua coleção, porque quando chega o dia de ela se dispersar,e sempre chega esse dia, ou seja por morte ou por fadiga do colecionador, tudo volta ao princípio, tudo torna a confundir-se. XVI

Tudo torna a confundir-se: LISTA DE COISAS BRANCAS fragmenta-se no espaço, esparramando coisas-palavras brancas em vários sentidos, linhas de palavras sem fim nem começo. Entra-se no meio da LISTA, e tenta-se ler pedaços, cacos de coisas. Impossível ler tudo no espaço: por vezes as palavras estão coladas no teto, ou a própria luz do ambiente impede a leitura. A linha/listra/lista torna a leitura cansativa (a fadiga), onde pausas espaçam a leitura, descontinuando-a.

Além de uma ênfase na característica rizomática, o que mais acontece à LISTA DE COISAS BRANCAS quando ela literalmente se cola no espaço do mundo?

Tal questionamento desdobra uma importante referência já citada no bloco da palavra ao silêncio: os ruídos do branco - a Poesia Concreta. Ressaltando a PALAVRA enquanto corpo autônomo, a Poesia Concreta sublinha o branco da página como campo ativo, onde a palavra pode também se projetar no espaço, valendo-se do próprio mundo como suporte (ou suportando-se no mundo?). Ou seja, junta-se à palavra como objeto concreto, autônomo, uma nova estruturação, organização do texto: a apresentação verbivocovisual, que enfatiza os valores gráficos e fônicos relacionais das palavras, revitalizando-as a partir da sua materialidade elementar, visual e sonora.

A Poesia Concreta teve influência direta de vários outros autores, como Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound e Cummings, entre outras influências. No contexto da literatura, Mallarmé constitui um processo de ruptura, arquitetado pelo poema Um lance de dados (1897), que sublinha o espaço em branco da página como elemento da escritura, como espaço aberto que fala, silêncio que dialoga com e entre as palavras. A espacialização visual do poema sobre a página, concebendo o espaço sem nome como o reduto de possibilidades, sugere a indissociação de forma e conteúdo, onde se pode ler também o que não está escrito. Em Um lance de dados, as palavras vestem corpos tipográficos diversos, posicionando-se como caminhantes, subindo, descendo, flutuando e modelando brancos.

Outra influência dos poetas concretos, James Joyce, autor de Ulisses (1914-1921) e Finnegans Wake (1922-1939), combina e condensa palavras, desmontando-as e montando uma variação vocabular riquíssima semanticamente. Utiliza a narração simultânea através de múltiplas associações visuais e sonoras, palimpsestamente XVII . Já Ezra Pound, autor de Os Cantos (poema épico iniciado em 1917, denominado posteriormente Cantares), utiliza o método ideogrâmico de compor, apoiado no lingüista Ernst Fenollosa, encontrando na estrutura do ideograma chinês uma forma de renovar a poesia XVIII . Pound junta coerentemente fragmentos de realidades díspares, montando caoticamente um autêntico móbile verbal (no dizer de J. L. Grünewald), espécies de blocos que enumera com números romanos. O poeta Cummings desintegra a palavra, colocando-a em contato direto com a experiência sensível.

LISTA DE COISAS BRANCAS possui pontos em comum tanto com a Poesia Concreta, como com suas referências. Tal como o poema concreto, que comunica sua própria estrutura (estrutura-conteúdo), constituindo um objeto por si mesmo e não um intérprete, negando a usual comunicação de mensagens, a LISTA elimina ou torna rarefeitos os laços de sintaxe lógico-discursiva, buscando-se uma conexão (ou seria uma desconexão?) direta entre as palavras. Na Poesia Concreta, essa rarefação vale-se do método ideogrâmico, contudo, se na LISTA há algo de ideogrâmico, ele veste mais um aspecto rizomático do que um aspecto dialético. Na LISTA, a síntese do ideograma não se faz, as palavras-coisas brancas colidem, coexistem, encostam-se mas não se somam de modo a concatenar um sentido sintético XIX . Dennis Radünz XX sublinha a LISTA como fanopéia concreta, referenciando Ezra Pound, que concebe a fanopéia como a classificação dos poemas que se manifestam através da imagem - não a descrição estática, porém o phanos dinâmico, elemento típico da poesia oriental XXI. Deste modo, ler as coisas brancas da LISTA implica em imaginá-las, em construir imageticamente o poema e, estando as palavras coladas no espaço, tal processo dinamiza-se duplamente.

Arnaldo Antunes, poeta, escritor e músico brasileiro, possui um poema que dialoga com a LISTA DE COISAS BRANCAS, ao sublinhar o uso da palavra coisas, bem como ao suscitar sensações táteis, sonoras, gustativas, visuais e olfativas, envolvendo todos os sentidos, compondo uma fanopéia sinestésica e rizomática:

COISAS FORTES: patas de cavalos, tetas de vacas, borracha, algumas pessoas, troncos e galhos, leite, álcool, esperma, epilepsia, o cúmulo da noite e o meio-dia, portas trancadas, out-doors, fósforos, crucifixos. COISAS FRACAS: cabelos, peixes, lábio e língua, janelas, algumas pessoas, papel yes, bijouterias, penas de pombas, ruído, telefones, ventiladores e leques, fim de tarde e aurora, cílios, filhos, cigarros, cáries. XXII

Arnaldo Antunes possui outras duas proposições que também suscitam questões que tocam a presente reflexão: e só e sujeito, vídeo-poemas que compõem o vídeo NOME. Em e só, o autor aparece ora se movimentando, ora parado, numa sala totalmente escrita, rabiscada com tinta preta: a palavra toma o espaço agressivamente, espécie de antítese da LISTA DE COISAS BRANCAS, que se cola ao espaço de maneira quase furtiva. Já em sujeito, proposição que parte da denominação da palavra sujeito, frases correm rapidamente na tela, em linha horizontal (sobre um fundo rabiscado, semelhante ao espaço rabiscado de e só), ao mesmo tempo em que se ouve a voz de Arnaldo Antunes ditando a classificação morfológica/sintática das palavras que aparecem na tela e a própria pontuação. As frases começam e terminam uma após a outra, separadas por lacônicos pontos finais, sendo curtas e diretas:

Arnaldo Antunes . NOME . 1993 . Detalhe de três planos de sujeito

Há um desconforto semântico, uma sensação de perda de sentido, na medida em que é difícil apreender a classificação gramatical simultaneamente à apreensão do sentido da palavra durante a leitura. Por exemplo: ao lermos na tela 'Nome que se esquece.' ouvimos simultaneamente as palavras objeto, pronome relativo, pronome reflexivo, verbo intransitivo direto, ponto final.

Tal proposição de Arnaldo Antunes suscita relações com a conjugação da versão da LISTA instalada no espaço com a versão da LISTA em forma de som (também instalada no mesmo espaço). Pois, o som da LISTA lida raramente coincide com a leitura das palavras brancas coladas no espaço, bem como as sobreposições de falas e o próprio ruído concatenam descontinuidades e rupturas entre som e sentido, entre a leitura e a audição, entre o espaço físico real e o espaço que o som e o ruído da fala desenham no ar.

A versão da LISTA falada/ouvida articula flutuações de sentidos, onde a construção de ruídos acaba por arquitetar brancos sobre brancos, espécies de silêncios como sobreposição de sons e sentidos ou seriam ruídos brancos?
XXIII

Nas proposições intituladas Poesia na natureza e Minha Poesia Visual, Miroslav Klivar realiza intervenções diretamente no espaço exterior, registrando-as através de fotografias. O artista tcheco introduz letras brancas em espaços externos, ressaltando a tensão entre palavra e espaço físico, ao mesmo tempo em que concebe a palavra enquanto coisa no mundo, com um corpo que ocupa um espaço-tempo. Contudo, um corpo mudo, pois as letras não formam palavras e, portanto, não delineiam sentidos verbais (como se as letras ainda não tivessem aprendido a falar...).

Miroslav Klivar
Poesia na natureza 1974 .
Fotografia p/b s/ papel
Miroslav Klivar
My Visual Poetry - Canal Poetry 1979 .
Fotografia p/b s/ papel e off-set

Em LISTA DE COISAS BRANCAS, ocorre tanto uma espécie de tensão, onde as letras brancas (que formam palavras-coisas brancas), ao serem coladas sobre vidros de janelas, incorporam o céu como fundo, o céu como página, e, devido à luz que atravessa seus corpos (finas películas adesivas brancas que em alguns ângulos, sob a luz de determinadas horas do dia, são imperceptíveis), apresentam-se acinzentadas ou pretas; bem como se insinua uma espécie de mimetismo, onde as coisas brancas quase somem nas paredes e tetos brancos, ao passo em que estão camufladas - como escreve Nuno Ramos, a semelhança é o melhor disfarce. XXIV

O branco sobre branco da LISTA supõe uma referência artística imprescindível na presente investigação: as obras em que o artista russo Malevitch trabalha minimamente com o branco. A obra Composição Suprematista: Branco Sobre Branco de Malevitch, a qual consiste num quadrado branco inclinado sobre fundo branco, bem como outras experiências de branco sobre branco propostas pelo artista, constituem veementes problematizações da questão da representação. Atingindo o limite da relação figura-fundo, o artista evidencia uma valorização do plano, sublinhando uma pressuposição da obra artística como uma coisa em sua especificidade, no que diz respeito a sua existência como objeto inserido no mundo.
Malevitch . Composição em cruz . 1918 Óleo sobre tela . 57 x 47 cm

Malevitch aspirava manifestar o Absoluto enquanto sem-objeto, o Nada, o ser abissal, a excitação universal, a "essência das diversidades", o ser não-figurativo, o mundo sem objeto. XXV Para o artista vanguardista russo, o abismo livre branco, o infinito são diante de nós XXVI não consistia num estado de negatividade, morte, vácuo aterrador. Seus quadrados não estavam vazios, mas cheios da ausência de qualquer objeto, prenhes de significado XXVII . O Branco Sobre Branco de Malevitch parece dialogar significativamente com a noção de vazio pleno, presente na pintura chinesa, onde, segundo François Cheng XXVIII o cheio constitui o visível de uma pintura, mas é o vazio, o em branco, que estrutura o uso, que aciona a imagem, vivificando-a, mobilizando-a. Nesse sentido, é o branco, em Branco Sobre Branco, vazio? E na LISTA DE COISAS BRANCAS?

Mas, e se pensarmos o vazio enquanto um conceito que se expande entre pólos complementares, entre a dispersão e o acúmulo, entre um nada e um tudo, onde o ponto zero (da questão da representação, da questão do monocromo) pode significar tanto um ponto de ruptura como um ponto de partida? E se o branco vazio, o em branco, insinuar-se enquanto estado, oscilação, situação entre um vazio de sentido e um sentido de vazio enquanto potência, abertura de possibilidades, espaço a ser preenchido?

AS COISAS TÊM PESO,
MASSA, VOLUME, TAMANHO,
TEMPO, FORMA, COR,
POSIÇÃO, TEXTURA, DURAÇÃO,
DENSIDADE, CHEIRO, VALOR,
CONSISTÊNCIA, PROFUNDIDADE,
CONTORNO, TEMPERATURA,
FUNÇÃO, APARÊNCIA, PREÇO,
DESTINO, IDADE, SENTIDO.
AS COISAS NÃO TÊM PAZ.
XXIX

 

Se os esquimós ou inuit distinguem muitos tipos de branco XXX, se distinguem na matéria neve-branco múltiplos estados, assumidos em situações diferenciadas, LISTA DE COISAS BRANCAS amplia esse inventário para outras matérias, situações, conceitos. Em comum, há o branco múltiplo, quase sem fim (em branco), inexistindo um branco puro e ideal, bem como o branco mais branco. E, se todos os brancos são brancos em estados diferenciados, por vezes, segundo sensações subjetivas, outras vezes, sendo indicados por amigos, é a linguagem que concatena a percepção desses brancos (a apropriação de palavras para convocar os brancos), percepção entendida enquanto atividade construtiva e inventiva, ação que implica escolhas.

Nesse sentido, para Manoel Ricardo de Lima, LISTA DE COISAS BRANCAS suscita uma espécie de regimento interno do olhar que se elabora através de uma seleção de sensações que por sua vez leva a uma seleção de objetos (coisas) que fazem parte da composição (...) em forma de um quase inventário: escolhas. XXXI.
E, nesse trajeto, tais escolhas implicam uma nuvem de perguntas também sublinhadas por Manoel: como ver o mundo, como percebê-lo, como senti-lo, como listar a escolha das coisas que podemos e queremos ver? o que nos interessa de fato no mundo e como estar no mundo?????? O que é estar no mundo?

Se depender da LISTA DE COISAS BRANCAS, tais indagações permanecerão nebulosas, sendo que a imprecisão é sublinhada pelo próprio subtítulo da proposição: COISAS QUE PODEM SER, QUE PARECEM OU QUE ERAM BRANCAS. A indeterminação da denominação das coisas listadas supõe um estado entre, rizoma concreto que suscita a interrogação como condição, como pressuposto. No poema Mencius: Teorema do Branco, Haroldo de Campos apropria-se das palavras do filósofo chinês e enfatiza as diferenças entre os brancos:

o branco da pena branca
é igual ao branco da neve branca?
é igual ao branco do jade branco?

de quantos brancos se faz o branco? XXXII

Multiplicidades, heterogeneidades, excessos e acumulações coexistem com vazios infinitesimais, com vaguidades insinuadas pelo branco sobre branco da LISTA. Linhas sem fim nem começo se espalham pelo espaço, linhas em fuga, linhas/listras/listas compostas por palavras que denominam coisas brancas, entrelinhas in-visíveis.

Passagens viram flutuações: a nuvem problemática branco em branco deu o branco migra, muda, desvia, inverte-se, deslocando-se e suscitando-se outras reflexões. Nesse movediço processo, instaura-se a pergunta: será que todo branco, por ser branco, é vazio? Ou existem situações onde o branco se torna em branco, esvaziando-se de si? De quantos brancos se faz o branco?

Perguntas se sobrepõem, se acumulam dentro do branco (tudo cabe no branco?). Acúmulo vem do latim cumulu, significando tanto a reunião de coisas sobrepostas, o acréscimo, aumento de algo, como o ponto mais alto, o auge, o máximo, o cúmulo. Cúmulo denomina uma nuvem branca, de grande desenvolvimento vertical, de base retilínea e topo arredondado, constituída de elementos que lembram novelos, flocos de algodão, torreões de castelo ou carneirinhos.
XXXIII

Acúmulos de brancos compõem uma lista infinita: a LISTA parece não ter fim tanto no espaço como em seu processo interminável, processo de criação que inclui a própria vida como motor da proposição. Se a LISTA enquanto coleção se dispersa no espaço pelo branco sobre branco, ela também admite uma incompletude, espécie de espaço em branco constitutivo: a listagem encontra-se sempre em processo, sendo construída tanto por minhas inserções como também pelo olhar do outro, onde amigos e pessoas que contatam o trabalho podem inserir palavras-coisas brancas na LISTA. Nesse processo incessante, por vezes insinua-se uma espécie de vertigem, onde tal listagem parece convocar um não-senso - suscita-se nesse momento o deu o branco, noção que habita a própria denominação coisa (quando não se sabe, ou subitamente se esquece a palavra a ser falada, usa-se a palavra coisa ). XXXIV

Outra sensação de não-senso surge ao se pensar LISTA DE COISAS BRANCAS como espécie de monocromatismo, questão um tanto paradoxal devido ao excesso e ao acúmulo de brancos que a LISTA propõe. Pois, se a antítese do excesso é a redução extrema, e uma das formas de arte mais redutivas é o monocromo XXXV, seria possível pensar a LISTA enquanto monocromo? Como pensar uma redução monocromática que só existe através do excesso e do acúmulo? Ou como trabalhar o excesso e o acúmulo dentro da redução? Enchendo de coisas o branco? Relativizando-o? Insinuando um branco heterogêneo, polimorfo, concreto, rizomático e cambiante? Ou enchendo o vazio de branco e enchendo o branco de vazio, onde esvaziar preenchendo ou reduzir acumulando não constituem oposições mas sentidos que acontecem simultaneamente?

 

referências bibliográficas


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LIMA, Manoel Ricardo de. Ensaio sobre a cegueira: uma parábola-advertência. Texto escrito pelo
escritor brasileiro, Mestre em Literatura e professor de Literatura Brasileira na Universidade
Federal do Ceará - UFC; coordenador do Núcleo de Literatura do ALPENDRE - casa de arte,
pesquisa e produção.


notas

I
O presente texto baseia-se no sub-bloco objeto em branco: acúmulos e outros vazios, bloco de minha dissertação de mestrado, intitulada Espaços em branco: entre vazios de sentido, sentidos de vazio e outros brancos (mestrado em Poéticas Visuais, cursado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS, de 2000 a 2001, sob orientação de Hélio Fervenza). Nessa pesquisa, foram produzidos e investigados trabalhos que apresentavam um ponto em comum: de alguma maneira eram brancos e/ou estavam em branco. Deste modo, investigou-se o desdobramento das passagens do branco (enquanto cheio, que veda, cega e obnubila) ao em branco (enquanto vazio, lacuna, subtração) e ao deu branco (enquanto interrupção de sentido, instante suspenso de não-saber, ruído-silêncio) e os atos ou modos de proceder que provocavam esses trânsitos. <<<


II
Clarice Lispector. Um Sopro de vida. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 114. <<<


III
Clarice Lispector. Água Viva. São Paulo, Círculo do Livro, 1983, p. 20. <<<


IV
Nuno Ramos. Cujo. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1993, p. 41. <<<


V
A publicação da versão 1 (primeira escritura, com 172 coisas brancas) da LISTA DE COISAS BRANCAS acontecerá na Revista Afinidades Eletivas (Fortaleza/CE); a publicação da versão 2 (escritura com 298 coisas brancas) da LISTA DE COISAS BRANCAS ocorreu no jornal Ô Catarina! CONTEMPORÂNEOS (POETAS CATARINENSES DOS ANOS 80 E 90). Florianópolis, março e abril de 2001, número 45, p. 16. <<<


VI
O termo instalação foi gerado nas experimentações dos anos 60-70 (sendo precedido pelas vanguardas artísticas do início do século XX). Consiste basicamente na apropriação do espaço-tempo do mundo comum como parte integrante da proposição e num questionamento das tradicionais categorias artísticas, independentes e sem qualquer relação com seu entorno, com o espectador e com a própria vida. O experimentalismo dos anos 60-70 criou vários outros termos e conceitos que antecedem e atravessam o conceito de instalação, tais como: In Situ, Site Specificity, Objeto, Ambientação, etc. Ver textos (citados na bibliografia) de Michael Archer, Rosalind Krauss, Fernanda Junqueira, entre outras referências. <<<


VII
A versão em forma de som/ruído (versão 3, com 384 coisas brancas) será abordada sucintamente, devido ao limite da presente reflexão e, principalmente, pelo fato desta versão desencadear uma série de outros projetos artísticos (que pretendo desenvolver futuramente em outra investigação). Enfim, tecerei breves observações quando o presente texto tocar na conjugação entre a LISTA colada/vista/lida no espaço e a LISTA falada/ouvida no mesmo espaço. <<<


VIII
Apartamento localizado na Rua da República, 379/506, Cidade Baixa, em Porto Alegre/RS, no qual residi entre fevereiro de 2000 e setembro de 2001. A LISTA foi instalada em março de 2001 (versão 2, 298 coisas brancas), sendo descolada do espaço em setembro de 2001 (operação trabalhosa e cansativa, beirando um deu o branco). <<<


IX
Versão 4: última atualização da LISTA, com 417 coisas brancas. <<<


X
Gilles Deleuze e Felix Guattari. Mil Platôs - vol. 1. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1995. <<<


XI
Fernando Sabino. As pequenas coisas. In No fim dá certo. São Paulo, Rio de Janeiro, Record, 1998, p. 92. <<<


XII
Idem, p. 93-94. <<<


XIII
Idem, p. 95-96. <<<


XIV
O conceito de espaço liso, proposto por Gilles Deleuze e Félix Guattari, opõe-se ao espaço estriado (ora diferindo, misturando-se, transformando-se ou coexistindo com ele, entre outras relações). No espaço liso, o habitat subordina-se ao percurso (a tenda, o iglu, o barco), onde o espaço do dentro molda-se ao espaço do fora. No espaço estriado, o trajeto e o espaço do fora se submetem aos pontos (vai-se de um ponto a outro), já no espaço liso os pontos se submetem ao trajeto. No espaço liso, portanto, a linha é um vetor, uma direção e não uma dimensão ou uma determinação métrica. É um espaço construído graças a operações locais com mudanças de direção. (...) O espaço liso (...) é um espaço de afectos, mais que de propriedades. É uma percepção háptica, mais do que óptica. É um espaço intensivo, mais do que extensivo, de distâncias e não de medidas. (...) Por isso, o que ocupa o espaço liso são as intensidades, os ventos e ruídos, as forças e as qualidades tácteis e sonoras, como no deserto, na estepe ou no gelo. (Gilles Deleuze e Félix Guattari. Mil Platôs - capitalismo e esquizofrenia - vol. 5. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1997, p. 185.) <<<


XV
Nesse livro, Saramago relata as aventuras do sr. José (único nome próprio que aparece no livro), um modesto escriturário da conservatória Geral do Registro Civil que coleciona recortes sobre pessoas famosas. Mas como as informações sobre as pessoas são imprecisas, ele resolve cometer a infração de pesquisar sobre os registros de vida e morte e completar os dados. <<<


XVI
José Saramago. Todos os nomes. São Paulo, Companhia das Letras, 1997, p. 23-24. <<<


XVII
A técnica de palimpsesto é utilizada quando um significado, um conjunto de imagens é superposto a outro (Edmund Wilson In Haroldo Campos e Augusto de Campos. Panaroma do Finnegans Wake. São Paulo, Perspectiva, 1986, p. 21). Na versão da LISTA DE COISAS BRANCAS em forma de som/ruído, uma das faixas consiste na sobreposição de todas as palavras lidas da LISTA, constituindo um palimpsesto sonoro e imageticamente, um palimpsesto visual - um Branco sobre Branco com 383 sobreposições (referência direta ao trabalho do artista russo Malevitch, o qual será sublinhado adiante, com mais detalhe). Sobretudo, nessa experiência, a LISTA acumula-se num ruído de aproximadamente quatro segundos, assemelhando-se ao barulho de um enxame de abelhas. <<<


XVIII
O método ideogrâmico consiste numa técnica de comunicação, na qual se justapõem imagens ou idéias que se colidem, interagem e se somam qualitativamente para expressar outra idéia. O ideograma constitui o sinal de notação das escritas analíticas, como o hieróglifo egípcio ou os símbolos das escritas cuneiforme e chinesa. Tal método constitui referência também para o cineasta russo Serguei Eisenstein, que concebeu uma montagem dialética, similar ao funcionamento do ideograma japonês. Para aprofundar e desdobrar tais colocações, ver o livro organizado por Haroldo de Campos: Ideograma: lógica, poesia, linguagem. São Paulo, Cultrix, 1986. <<<


XIX
Na experiência/versão da LISTA DE COISAS BRANCAS em forma de som/ruído, onde uma das faixas consiste na sobreposição de todas as palavras lidas da LISTA, constituindo um palimpsesto sonoro e visual (um Branco sobre Branco com 383 sobreposições), até poder-se-ia supor uma síntese, mas antes uma síntese antitética, uma síntese de não-sentidos, de não-sensos, entendendo o não-senso tal como o propõe Gilles Deleuze - o não-senso não possui nenhum sentido particular, mas se opõe à ausência de sentido e não ao sentido que ele produz em excesso sem nunca manter com seu produto a relação simples de exclusão à qual gostaríamos de reduzi-lo.O não-senso é ao mesmo tempo o que não tem sentido, mas que, como tal, opõe-se à ausência de sentido, operando a doação de sentido (Gilles Deleuze. Lógica do Sentido. São Paulo, Perspectiva, 1998, p. 74). <<<


XX
Dennis Radünz. O Linguajar do Lugar. In Ô Catarina! CONTEMPORÂNEOS (POETAS CATARINENSES DOS ANOS 80 E 90). Florianópolis, março e abril de 2001, número 45, p. 4. <<<


XXI
Tais colocações encontram-se nos ensaios que acompanham as traduções de poemas de Pound feitas por José Lino Grünewald: Transas traições traduções. In CÓDIGO 7. Salvador, Bahia, 1982, s/p. <<<


XXII
Arnaldo Antunes. PSIA. São Paulo, Iluminuras, 1998, s/p. Sobretudo, cada grupo de coisas está impresso numa página, de maneira que, ao fechar o livro, as COISAS FORTES ficam encostadas nas COISAS FRACAS. <<<


XXIII
O ruído no qual todas as freqüências audíveis têm iguais chances de aparecer a cada momento é dito "branco" por analogia com o espectro contínuo e uniforme da cor; o ruído da turbina de um jato, ou de uma emissão de rádio a válvulas fora da estação com o aparelho ligado no máximo volume, por exemplo (José Miguel Wisnik. O som e o sentido. São Paulo, Companhia das Letras, Círculo do Livro, 1989, p. 205). Imbuído das concepções de John Cage, Wisnik sublinha que o silêncio corresponde ao ruído branco - terreno de toda comunicação possível, de toda canalização de qualquer mensagem; e portanto ponto de partida para todas as aventuras e paisagens sonoras (Daniel Charles In José Miguel Wisnik. O som e o sentido. São Paulo, Companhia das Letras, Círculo do Livro, 1989, p. 208). <<<


XXIV
Nuno Ramos. Cujo. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993, p. 71. <<<


XXV
Malevitch In Paulo Herkenhoff. Monocromos, a Autonomia da Cor e o Mundo sem Centro. In Heloisa Buarque de Holanda e Beatriz Resende (org.). Artelatina: cultura, globalização e identidades. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2000, p. 254. <<<


XXVI
Idem, p. 254. <<<


XXVII
Aaron Scharf. Suprematismo In Nikos Stangos (org). Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1991, p. 100. <<<


XXVIII
François Cheng. Vacío y Plenitud - El lenguage de la pintura china. Venezuela, Monte Avila Editores, 1989. <<<


XXIX
Letra de Arnaldo Antunes, música de Gilberto Gil In Cd CAETANO E GIL - TROPICÁLIA 2. São Paulo, Polygram, 1993. <<<


XXX
A partir de 15 radicais de palavras que se referem à neve (e que denominam estados/situações diferentes da neve: geada, partículas finas de neve, neve profunda macia, neve quase desmoronando, neve que flutua na água, tijolo de neve, etc.), são formadas cerca de 30 a 50 palavras diferentes. Tais colocações foram pesquisadas no texto de Anthony C. Woodbury. Counting Eskimo words for snow: A citizen's guide. In www. princeton.edu/~browning/snow.html. <<<


XXXI
Manoel Ricardo de Lima. Ensaio sobre a cegueira: uma parábola-advertência. Texto escrito pelo escritor brasileiro, Mestre em Literatura e professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Ceará - UFC. Manoel é também um dos coordenadores do Núcleo de Literatura do ALPENDRE - casa de arte, pesquisa e produção. <<<


XXXII
Haroldo de Campos. L'ÉDUCATION DES CINQ SENS. Édition bilingue. Paris, Plein Chant, 1989, p. 40-41. <<<


XXXIII
Aurélio B. de Holanda Ferreira. DICIONÁRIO AURÉLIO ELETRÔNICO - Século XXI. Lexikon Informática Ltda, Editora Nova Fronteira, 1999, s/p. <<<


XXXIV
Não que a palavra coisa consiga substituir claramente a palavra ou a coisa indefinida, pois, como sugere Clarice Lispector, Mais enigmática que o pensamento é a "coisa" (Clarice Lispector. Um sopro de vida. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, p. 114). <<<


XXXV
Paulo Herkenhoff. Um Gueto Labiríntico: a Obra de Cildo Meireles. In Paulo Herkenhoff, Gerardo Mosquera, Dan Cameron. Cildo Meireles. São Paulo, Cosac & Naify, 2000, p. 53. <<<


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