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Dramaturgia do espaço
Publicado originalmente na Revista Teatro e Dramaturgia do GT Teatro da ANPOLL. No. 1 / 2000

André Carreira
Universidade do Estado de Santa Catarina

Estamos acostumados a pensar o teatro como uma decorrência do texto dramático um produto que nasce do processamento do texto escrito, no entanto, uma inumerável quantidade de espetáculos teatrais demonstram que essa premissa já não pode ser considerada como uma verdade inquestionável. Considerar o texto dramático como gerador de sentidos que são re-interpretados através da encenação, e tomar esta como fenômeno desdobrado, permitiria concluir equivocadamente, que o texto dramático poderia ser estudado como um elemento que guardaria no seu bojo a complexidade da própria encenação, além de supor que existiria uma desejada fidelidade ao autor no momento de sua encenação (Carreira, 1997). Segundo esse ponto de vista haveria uma total coincidência entre o texto dramático e a representação, portanto, o diretor teria como tarefa principal a tradução do primeiro na construção do segundo. Também haveria neste processo a possibilidade da busca de uma fidelidade ao texto.

Os estudos no campo da semiótica teatral, especialmente a produção de Patrice Pavis, Anne Ubersfeld e Marco de Marinis, apontam para um eixo de estudo que desvia nossa atenção do objeto do texto dramático para a abordagem do texto espetacular. Ubersfeld afirma que o teatro é a arte do paradoxo, em um mesmo tempo produção literária e representação concreta; indefinidamente eterno (reproduzível e renovável) e instantâneo (nunca reproduzível em toda sua identidade (Ubersfeld: 11, 1989). Nesta zona se produziriam aqueles processos de significação que constituem o fenômeno da cena, pois haveria que pensar na figura do espectador como ponto de fusão do espetáculo. O teatro como arte do acontecimento.

A segunda metade do século XX tem mostrado uma busca incessante de novos textualidades para o teatro. As invenções da vanguarda da russa revolucionária já haviam sugerido a ruptura com a regência do texto. Meyerhold pré anunciava a cena como construção do corpo do ator. Suas tentativas de romper com as regras do texto não foram exploradas a fundo principalmente porque o genial diretor russo foi fuzilado antes de ter a oportunidade de experimentar nesta direção. Intuitivamente Meyerhold compreendia a termo dramaturgia como algo que ia além do mero texto escrito, o ator era para ele matéria viva de construção do texto, consequentemente abordou o corpo como lugar de escritura. A biomecânica essa invenção de Meyerhold que colocou o foco do pensamento teatral no corpo do ator como instrumento de escritura fundamental da linguagem teatral.
Novas abordagens teóricas do teatro apontam para um enfoque do espaço cênico como fator decisivo na encenação. O pesquisador argentino Francisco Javier aponta para três pontos fundamentais referentes a inter-relação espaço cênico e significação espetcular:

a) A renovação do espaço cênico modifica a tradicional relação entre os atores e espectadores, dado que as características que assuma o espaço cênico vão mudar os termos da igualdade.
b) Os distintos níveis de criação do espaço cênico estão em relação direta com as manifestações plástico-visuais do espetáculo, linguagem particular da encenação e forma essencialmente diferenciadora entre espetáculo e literatura dramática.
c) As definições espaciais maiores - as macro-formas – condicionam as outras linguagens expressivas do espetáculo, porque os primeiros contém fisicamente aos outros, sem por isso diminuir sua importância, já que de uma ou outra forma, todas as linguagens participam da criação do espaço cênico. (Javier, 1998)

Desde já é importante dizer que o espaço – seja ele de um âmbito fechado ou aberto – constitui um texto que influencia diretamente na construção do texto espetacular. O espaço cênico é o âmbito tridimensional onde transcorrem as ações de um espetáculo teatral protagonizadas pelo ator (Javier, 1998).


Bibliografia


CARREIRA, André. 1997. O Teatro como a construção do texto espetacular, in Travessia, n. 34-35, p.11-20
JAVIER, Francisco. 1998. El espacio escénico como sistema significante, Buenos Aires, Ed. Leviatán.
UBERSFELD, Anne. 1989. Semiótica Teatral, Madrid, Cátedra.

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