Incursão pedagógica: Caras e Caretas,
Educadora: Débora Gaspar

Realizada no Colégio de Aplicação, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina/ Brasil, 2004.

O retrato é um dos temas explorados no jogo "A Mansão de Quelícera"; a partir dele, foi desenvolvida a proposta educacional "Caras e Caretas". Trabalhou-se com alunos de três turmas de 6a série do Ensino Fundamental (aqui chamadas de A, B e C), totalizando 43 estudantes de idades variadas de 12 e 14 anos (1). Foram adotados, como referência, os eixos norteadores dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, ou seja, a fruição, a reflexão e a produção.

Transitando do tema retrato à experiência do jogar, realizaram-se inúmeras atividades com as turmas, das quais eclodiram ricos momentos de reflexão e de produção plástica. Os discentes conheceram alguns períodos e artistas da História da Arte por meio de retratos. Criaram imagens desses mestres e seus auto-retratos, servindo-se de técnicas diversas (gráficos vetoriais, cópias xerográficas, desenhos sobre papel). E, principalmente, pensaram a linguagem visual e a aprendizagem em Arte de uma forma mais flexível, partindo dos conteúdos já sistematizados à diversão do jogar; da ânsia de produzir à curiosidade de conhecer. Com essa forma de educar, não mais se dissociou o brincar do aprender.

Como as crianças jogaram?

Dois modos diferentes de jogar foram utilizados nessa intervenção. As turmas B e C usaram os computadores de um dos Laboratórios de Informática da Universidade Federal, organizando-se em duplas. A classe A praticou um jogar coletivo, valendo-se apenas de um computador que projetava a imagem numa grande tela, no auditório do Colégio de Aplicação. Havia, neste último caso, um revezamento entre os alunos para que todos pudessem comandar as andanças pela Mansão, de acordo com o personagem escolhido por eles.
Para a educadora, o grande desafio encontrado foi o de controlar o tempo de interação de cada aluno. Frases como "Só mais um pouquinho, professora!", "Já tô terminado..." (e nunca terminava) ou, ainda, "Calma, Calma, professora!" eram repetidas por eles.



Imagens dos estudantes da Turma A, no auditório do Colégio de Aplicação.


Imagens dos estudantes da Turma B e da C, no Laboratório de Informática.


Entre o jogar e as outras atividades pedagógicas

Primeiramente os alunos foram convidados a conhecer e a explorar o jogo. Após essa interação inicial com a Mansão, dividiram-se em grupos para localizar os retratos encontrados. Selecionaram um deles e realizaram uma dinâmica denominada "Retrato Falado": uns descreviam a imagem escolhida para os demais (os "retratistas") que, tendo por base a descrição, produziam novas imagens utilizando o programa Paint.

A turma C, por exemplo, selecionou "São Jerônimo de Cardenal", de El Greco, fixado na parede do Claustro da Mansão. Alguns estudantes comentaram a dificuldade de desenhar no computador, mas prosseguiram. Outros, por sua vez, já se mostravam com o programa aberto, experimentando as possibilidades, antes de qualquer orientação da educadora!

Ao longo da descrição, os "retratistas" perguntaram como era a posição das mãos. Um deles comentou sobre o personagem usar uma "luva de segurar panela quente". Ao final, todos riram intensamente dos resultados obtidos. E, ao compararem com a imagem selecionada do jogo, reclamaram da descrição dos colegas, pois perceberam que o olhar feito anteriormente não alcançava o grau de detalhamento necessário para uma representação fiel do retrato encontrado.


Felipe, Turma C. / Hugo e Larissa, Turma C. / Larissa K.,Joana e Brenda, Turma C. /
Jean, Turma C.


Então, partiu-se para a contextualização histórica do tema "retrato" na Arte, tomando por base o texto do site "Retrato" (ver "Preste Atenção"). Extrapolando as imagens citadas no jogo, abordou-se, também, o retrato na contemporaneidade, tendo como subsídio o livro Espelho de Artista, de Kátia Canton. Leituras comparativas e desafios perceptivos foram realizados, fato que diminuiu a apatia, geralmente, presente nas aulas expositivas.

Posteriormente se propôs um exercício buscando a observação mais detalhada dos retratos citados na Mansão. A atividade consistiu em fazer uma descrição minuciosa das reproduções de "Esopo", "Conde de Olivares", "Don Diogo de Acedo", "Bobo da Corte Sebastian de Morra", de Velázquez; "Auto-retrato aos 23 anos", de Rembrandt; e "São Jerônimo de Cardenal", de El Greco. Não foi fornecido o nome das obras, nem dos artistas (as imagens eram identificadas por números) e estipulou-se o mínimo de dez linhas para cada caracterização. A idéia era possibilitar ao aluno, pela desaceleração do olhar, chegar à significação dos retratos. Como escrever durante uma aula de Arte ainda é motivo de resistência entre os estudantes, ficavam perguntando, a todo instante, quando iriam jogar novamente. Mesmo assim, produziram algumas descrições muito ricas:

1 - "O Bobo da Corte Sebastián Morra" (Velázquez), por Joana (Turma C): "É um anão, pois é muito pequeno, ele tem cabelo crespo e moreno, olhos bem escuros, um bigode espetado e uma barba média, com orelhas pequenas um nariz largo, boca pequena, um braço curto uma mão pequena e gorda, um ombro largo, a cabeça é um pouco abaixo do ombro, e sua perna é curta o pé é bem pequeno, ele esta sentado no chão, ele está com a mão no bolso de um casaco comprido com a manga branca e um manto laranja em cima do casaco ele está tipo numa sala deserta, sua pele é branca, está com um sapato branco, está com a cabeça um pouco curvada para a esquerda com um olhar sério".

2 - "O Retrato de Don Diego de Acedo" (Velázquez), por Brenda (Turma C): "É um anão, porque o livro é quase maior que ele. Seu olhar está para baixo e pensativo. Tem cabelos encaracolados e olhos castanhos. Está lendo um livro, grande para o seu tamanho. Está sentado em cima de uma pedra. Tem bigode e uma pequena barba, os dois castanho. Ao fundo tem algumas montanhas e um céu quase todo nublado. Usa um par de botas, um grande chapéu, um cachecol, um casacão, calças compridas, todos pretos. No chão há alguns livros, de diversos tamanhos, um caderno, dentro um folha, e em cima tem um tinteiro com uma pena branca dentro. Ao seu lado tem um saco de veludo preto. Seu nariz é grande e sua orelha é de um tamanho normal. Seu bigode tem ponta curva. Sua aparência é de uma pessoa pensativa e triste".

3 - "São Jerônimo - Cardeal" (El Greco), por Luisa (Turma B): "Na imagem mostra um senhor de idade com uns 93 anos, com uma barba bem grande. Ele parece estar sentado lendo um livro. Ele esta olhando para frente e está bem serio. Suas mãos sobre o livro são longas e finas. Seu cabelo é meio branco e curto. Aparentemente ele parece ser auto e magro. Sua sobrancelha é fina e sua boca é pequena. Ele esta vestindo uma manta com capuz, a manta é de um vermelho desbotado. Por baixo da manta ele está vestindo uma blusa de manga comprida branca. As cores usadas são cores escuras desbotadas. O fundo da figura é todo preto".

4 - "Auto-Retrato com 23 anos" (Rembrandt), por Francine (Turma C): "A imagem é de um homem com cabelo cacheado e sua cor é castanhos claros, seus olhos são claros.A linha do trabalho é suave, sua pele é clara, as cores do trabalho são frias e neutra. Sua pele parece ser lisa, a imagem tem partes que é mais clara e outras mais escuras por causa da luz, ela (a luz) vem da direita em diagonal. A roupa dele é pesada, o material usado é tinta. O fundo é de cor mais clara do que a imagem e não tem nada desenhado.Ele está olhando para frente, e não está rindo, ele está sério, o pescoço dele parece que é pequeno".

5 - "Esopo" (Velázquez), por Sabrina (Turma A): "A figura da imagem 5, é um Velho, com os cabelos curtos e ondulados. Sua pele e enrugada, com olhos pequenos, sua cabeça é redonda com a pele clara, está com um jeito triste, sua roupa é uma espécie de sobretudo, longo até os pés, com um tipo de cinto e a sua mão esquerda dentro do sobretudo, na sua mão direita um livro, ele é meio gordo e usa um par de botas pretas longas até o tornozelo, Ele está parado numa sala, com o fundo do lado esquerdo mais claro e do lado direito mais escuro, no chão estão algumas coisas, tem plantas, madeiras no chão. Tem um rosto cheio de rugas, sua pele está caída, com umas sombras, indicando a velhice".

6 - "Conde Duque de Olivares" (Velázquez), por Renan (Turma B): "É um homem de corpo inteiro, na diagonal mas com o olhar reto. Ele é alto, largo, tem uma cabeça bem menor do que o corpo, ele é meio orelhudo, tem bigode e um cavanhaque, um cabelo liso, usa uma capa preta de veludo, um traje a rigor, usa botas pretas, pele branca, em volta de sua capa tem um cinturão de ouro e uma chave. Ele esta se apoiando em uma aparente mesa com uma toalha de mesa vermelha, no fundo tem uma parede meio que bege com umidade, ele parece ser um homem muito nobre e muito rico. Com aparência".

Outros exercícios de criação de retratos foram realizados. Em um deles, os alunos fizeram interferências diversas (recortando, desenhando, modificando partes do corpo, etc.) em cópias xérox de suas fotografias ampliadas. Partindo do seu rosto, cada estudante criou quatro novos retratos desconstruindo sua própria imagem a partir das fotocópias. Esse exercício buscou contextualizar a produção de auto-retratos de artistas contemporâneos, como Alex Fleming e Kátia Ávila.


Sara, Turma A. / Luisa , Turma B. / Joana, Turma C.


Lucas, Turma A.
/ Felipe, Turma C. / Matheus, Turma A.

Em outro exercício, construíram retratos, a partir do desenho a carvão, sobre papel kraft, sendo estimulados a observarem as proporções do rosto humano e, depois, a retratarem um colega da turma. Seguindo a busca da observação das proporções, agregando a possibilidade de um maior detalhamento pelo desenho a lápis, foi realizada a produção de um auto-retrato, utilizando o espelho como ferramenta de observação.



Leonardo, Turma A. / Hugo, Turma C.


Rodolfo, Turma B. / Joana, Turma C. / Adriana, Turma C.


Larissa Krause, Turma C. / Othávio, Turma C.

Leonardo, Turma A.

Buscando explorar o repertório imagético dos alunos, foram propostos outros exercícios. Em um deles, seria fornecida uma listagem com várias expressões faciais e os estudantes selecionariam três para produzirem retratos. Na turma A, após a realização dos desenhos, foram apreciadas as imagens, observando as relações entre as expressões selecionadas e as representações produzidas pelos estudantes.


Rafael Faria Oliveira, Turma A.



Adriana, Turma C. / Renan, Turma B.


No último encontro, propôs-se uma atividade na qual cada aluno deveria escolher um personagem a ser desenhado posteriormente. Na turma A, Quelícera foi a mais votada. Após a realização das imagens, os estudantes observaram os desenhos dos colegas e selecionaram a mais assustadora de todas as bruxas, a de aspecto visual mais horroroso e a que transmitia um sentido mais maléfico.


Lucas, Turma A. / Pamella, Turma B.


Renan, Turma B. / Jean, Turma C.

Finalmente, personalizaram seus portfólios do semestre, cuja proposta era criar uma apresentação, simulando a capa de um CD-ROM de "A Mansão de Quelícera".


Estudantes da Turma C produzindo o portfólio. / Rodolfo, Turma B.


Matheus, Turma A. / Brenda, Turma C (frente e verso do desenho).


Avaliação dos alunos da intervenção realizada

A título de avaliação da intervenção realizada, foi respondido um questionário pelos estudantes, permitindo a verificação documental de algumas latências que poderiam ser trabalhadas com eles no trimestre seguinte (conteúdos estéticos e historiográficos).

Na penúltima questão da análise, perguntou-se se já haviam feito algum trabalho sobre retrato nas aulas de Arte; mais da metade não havia estudado esse conteúdo anteriormente. Foram indagados, também, sobre quais conhecimentos abordados eram considerados mais importantes. A maioria respondeu que foi diferenciar os períodos históricos e suas características por meio das obras de arte, como também os conceitos de retrato e de auto-retrato. Ressaltaram, ainda, a importância de conhecer as noções de proporção do rosto humano e de realizar a produção de imagens para a sua formação escolar.

O último questionamento buscava verificar se os alunos acharam interessante aprender a História da Arte por meio de um jogo eletrônico e o por quê. A maioria respondeu que sim; no entanto, a justificativa diversificou-se: ser mais divertido aprender jogando; usar uma metodologia diferenciada; despertar o interesse; parecer apropriado para a idade; ser melhor para aprender e porque adoram jogos eletrônicos

A última questão perguntava se os alunos acharam interessante aprender história da arte por meio de um jogo eletrônico e por quê. A maioria respondeu que sim, mas os motivos variaram: ser mais divertido aprender jogando; metodologia diferenciada; ser interessante; apropriado para a idade; ser melhor para aprender e porque adora jogos eletrônicos (2).

Quanto às sugestões apresentadas pelos alunos para a conclusão do jogo, destacam-se as seguintes: ter mais pessoas na casa ou mais personagens, além de mais objetos para abrir; haver mais ação, mais pistas, mais ambientes; ser mais fácil ou, inversamente, mais difícil; permitir a construção de uma escultura pelo jogador, em alguma parte do jogo; existir mais mobilidade dos personagens através de seus passos ou, ainda, criar um segundo volume do passatempo mostrando os personagens com o corpo inteiro. Cumpre destacar que a metade dos que responderam à avaliação não deu sugestão alguma para o jogo.

Para as aulas de Arte, grande parte não fez propostas; comentou apenas que gostaria que continuassem assim. As opiniões levantadas foram as de trabalhar com argila e pintura; ter mais aulas no auditório; fazer escultura com material reciclado; desenhar e jogar mais; ir sempre ao Laboratório de Informática e, por fim, solicitar que a professora desse mais dicas sobre o jogo. Em uma conversa, observando seus retratos e auto-retratos, os alunos expuseram que a experiência na produção fora significativa, sendo que as últimas aulas, quando desenharam Quelícera e construíram o portfólio, estavam entre as melhores.

Um depoimento interessante foi o da aluna Letícia (turma C) que destacou o quanto essa intervenção veio ao encontro dos objetivos pedagógicos buscados pelo projeto “A Mansão de Quelícera”. Escreveu que as aulas lhe permitiram perceber que “poucos detalhes fazem muita diferença”.

Notas:

(1) Cabe destacar que, nesse momento, o passatempo em questão não estava concluído; mesmo assim, foi disponibilizada uma versão demonstrativa com, aproximadamente, 70% do jogo pronto. <<

(2) Apenas dois alunos afirmaram não achar interessante utilizar o jogo; um comentou que o motivo foi ele não experimentá-lo. Só um estudante respondeu ser mais ou menos atraente; no entanto, não explicou o motivo dessa resposta. <<