Através
da história da alimentação é possível
perceber diferenças na forma de uso e na escolha de alimentos
conforme o grupo cultural e o período histórico estudado.
Nas culturas hebraicas e vegetarianas, por exemplo, os alimentos são
fundamentais para a demarcação simbólica entre
o sagrado e o profano. Da mesma forma, a história da arte nos
fornece registros visuais desses hábitos alimentares. Observando
nas obras de arte quais os alimentos escolhidos para serem retratados,
é possível conhecer um pouco sobre o grupo que os consumia,
a importância que davam às iguarias representadas e a carga
metafórica que reconheciam naqueles alimentos. A maneira como
os alimentos estão dispostos na composição, até
mesmo o tipo de ambiente, os utensílios e recipientes representados
na cena, fornecem-nos pistas sobre o contexto social e cultural da época
representada. Por exemplo, em Comedores
de Batatas, de van Gogh, a restrição
e o tipo de alimento consumido demarcam a miséria econômica
dos personagens representados.
Cada
artista e época tiveram os seus motivos para escolher determinados
alimentos como "personagem" na representação
artística. Investigar e reconhecer nas obras tais motivos, assim
como os modos de organização das composições,
é uma das possibilidades de ver suas obras.
Os séculos XV e XVI apresentaram-se como inovadores em relação
à Idade
Média.
Muito do imaginário popular daquela época permaneceu na
arte da Idade
Moderna.
Os excessos alimentares (ver Sala
de Jantar) constituem um dos aspectos deste imaginário
que influenciou a arte, principalmente na Europa
Setentrional.
A representação de festividades que envolviam comida,
mostrando o cotidiano alimentar tanto da burguesia
como dos camponeses, estão, por exemplo, nas obras de Brueghel,
como em O Festim Nupcial, que retrata de forma realista
o ato da comilança ritual do camponês de sua região.
Outro artista de um contexto próximo representou o alimento desvinculado
de cenas e ambientes alimentares. Arcimboldo,
com uma poética de cunho satírico, criou retratos baseados
em temas mitológicos e em personalidades de sua época
figurando flores, legumes, verduras, frutas e até carnes preparadas
para o consumo alimentar, como podemos ver em Verão
- obra que deve ser remontada pelo jogador aqui, na cozinha da Mansão
de Quelícera. Em sua poética, singular mesmo dentro do
seu contexto maneirista,
Arcinboldo chegou a criar imagens que dialogavam com o espectador de
forma lúdica, brincadeiras óticas, como O
Cozinheiro - imagem que se torna animada na Despensa
da Mansão de Quelícera, a partir da interação
do jogador.
Na tendência mais populista do Barroco
naturalista espanhol, o alimento adquiriu uma outra conotação
na pintura, atuando como elemento iconográfico religioso. Um
exemplo dessa situação é a obra Cristo
na casa de Marta e Maria, de Velázquez - cujos
peixes e ovos encontram-se sob o balcão da cozinha da Mansão
de Quelícera. Foi o surgimento de um novo gênero de pintura
espanhola, os bodegodes (ver natureza-morta),
no qual os alimentos atuavam metaforicamente, alçando conteúdos
da moral cristã (como a fruta que se mostra bela por fora, mas
apresenta vestígios de estar corrompida por dentro). A partir
do século XVIII, na Espanha, as temáticas artísticas
desviaram-se do contexto popular e religioso para mostrar a vida aristocrata
e da alta burguesia. Então, as pinturas que envolviam alimentos
nos permitiram saber, por exemplo, que a carne de caça, a de
porco, o peixe fresco e o seco, eram iguarias apreciadas por distintas
classes sociais da província de Madri. O peixe fresco era consumido
apenas pelas classes privilegiadas, por Madri localizar-se geograficamente
no centro do país, tornando o peixe-fresco demasiadamente caro
quando comparado ao peixe-seco. Outras preferências alimentares
dos madrilenos, registradas nessas pinturas, são os pães,
frutas, verduras e, até mesmo, os doces, recorrentes em suas
mesas.
Na Escola
Flamenga,
entre os séculos XVI e XVIII, a natureza-morta e a pintura
de gênero, temáticas que envolviam muito a representação
de alimentos, foram especialmente significativas. Principalmente na
parte norte dos Países
Baixos
que, por ser protestante, se distanciava da iconografia
católica e valorizava o cotidiano burguês. Ali a natureza-morta
também possuía uma conotação metafórica,
embora tivesse um caráter espiritual mais aberto e menos moralizante.
Vermeer é
um exemplo marcante, como vemos em sua obra A
leiteira, cujo pão e jarro de porcelana foram
apropriados e encontram-se sob o balcão da cozinha da Mansão
de Quelícera.
Em um outro momento da história da arte, a escolha do artista
por alimentos como "personagens" de suas pinturas deixou de
ter qualquer relação com o caráter metafórico
destas imagens, destacando-o como elemento concreto. A partir do final
do século XIX os artistas estavam descrentes em relação
à eficácia estética dos meios tradicionais de representação
(naturalismo,
ilusionismo,
etc). Eles buscaram transformar formalmente a imagem artística
e as frutas (assim como os instrumentos musicais, cadeiras, mesas e
outros objetos), foram vistas como bons modelos pela imparcialidade
emotiva que poderiam conferir à composição. Sem
emotividade, os artistas tinham uma melhor condição de
explorar os recursos da pintura em busca de uma nova perspectiva para
a arte. Cézanne
foi um dos primeiros artistas que seguiu nesta perspectiva, como vemos
em Natureza
morta com maçãs e laranjas - obra base
para um desafio da Mansão de Quelícera, que o jogador
enfrenta para entrar na cozinha a partir da sala de jantar.
Atualizado em 16/01/2006.
Apresentação
do Site do Educador